Por Airton Portela, Professor e Juiz Federal, ex Analista, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal e ex Advogado de Militância Privada.
Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume I- Airton Portela |
1- O DIREITO AO ESQUECIMENTO.
No final de seu mandato, o então
Presidente da República João Figueiredo, antevendo a redemocratização como
inevitável, manifestou o seu desejo de deixar a vida pública com a seguinte
frase: “quero que me esqueçam”.
De certa forma isso se concretizou, pois,
como se sabe, do término do seu mandato até sua morte, nada de relevante se
noticiou sobre a vida do ex-Presidente, por certo que, tendo abandonado a vida
pública, seu quotidiano, como o de qualquer brasileiro comum, não despertaria
interesse no grande público.
No entanto, conquanto, possivelmente,
aspirasse que também sua vida pública fosse excluída da lembrança nacional, neste
particular, o “direito ao esquecimento” (pois disso já se cogitava mundo afora,
como veremos mais à frente) não poderia acorrê-lo. Vejamos os “porquês”.
1.1
– PRIMEIROS GRANDES DEBATES SOBRE DIREITO AO ESQUECIMENTO NA EUROPA E NO
BRASIL.
Com base nos direitos à privacidade, à
honra, à imagem e à intimidade, na Europa e até mesmo no Brasil, tem-se
admitido a existência de um “direito fundamental ao esquecimento”.
O debate acerca deste tema iniciou na
Alemanha quando um dos condenados por crime de homicídio contra quatro soldados
do Exército daquele País, prestes a ser libertado após cumprimento da pena que
lhe foi aplicada, ajuizou ação para impedir a veiculação de documentário sobre
o delito e o Tribunal Constitucional Federal Alemão, em julgamento que ficou
conhecido como caso Lebach,[i]
conferiu-lhe a proteção pretendida com base no referido direito.
No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.334.097, reconhecendo a existência do direito ao esquecimento, proibiu que certo programa de televisão exibisse nome e imagens de um acusado que fora absolvido em processo conhecido como “Chacina da Candelária”.
Pela ótica da doutrina pátria, Gilmar
Mendes sustenta que “se a pessoa deixou de atrair
notoriedade, desaparecendo o interesse público em torno dela, merece ser
deixada de lado, como desejar. Isso é tanto mais verdade com relação, por
exemplo, a quem já cumpriu pena criminal e que precisa reajustar-se à
sociedade. Ele há de ter o direito a não ver repassados ao público os fatos que
o levaram à penitenciária.”[ii] Ainda sob o prisma doutrinário, o Enunciado 531, exsurgido da VI Jornada
de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, realizada em 2012, assinalou
que “a tutela da dignidade da pessoa
humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.
2- O DIREITO AO ESQUECIMENTO E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
De fato, o
catálogo protetivo da Constituição Federal, máxime os direitos que tutelam a
intimidade, albergam um direito ao esquecimento, mas que, da mesma forma que
outros, deve ser aplicado em vista do princípio da proporcionalidade, em
permanente exercício de sopesamento dos valores que acodem os interesses
concretos debatidos, não se lhe conferindo, pois, a priori, um peso maior que outros direitos que também receberam
guarida constitucional.
Aliás, atualmente
é essa a linha do Tribunal Federal Alemão que, ao revisitar o caso Lebach, em
1996, em virtude da notícia de que outro programa seria veiculado sobre o crime
(mas, diferentemente do primeiro, não seriam exibidas imagens e os nomes seriam
modificados); embora lançados os mesmos argumentos, não reconheceu esse direito
aos interessados, tendo por prevalente o direito à informação frente aos da
personalidade (intimidade, privacidade, direito à ressocialização).
Da mesma
forma, no Brasil, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp
1.335.153, discutindo a possibilidade de divulgação do caso “Aída Curi”, de
forma diferente do que houvera firmado em relação ao caso Candelária, entendeu
que o direito ao esquecimento ali não se aplicava, pois o fato havia entrado
para o domínio público.
Portanto,
embora não se possa negar a existência de um direito ao esquecimento, é preciso
atribuir razão a Paulo R. Khouri quando propõe “ponderar caso a caso os
valores em jogo (pois) pode ocorrer que o direito ao esquecimento deva ser
sacrificado em prol da liberdade de informação”.[iii]
Na mesma ordem de idéias, a nosso ver, se
a publicação não for de interesse geral, se frívola, inútil ou já tenha
alcançado seu propósito lícito, não há razão para que a informação acerca de
alguém permaneça publicada indefinidamente.
Nesse sentido, recentemente (em 13 de maio de 2014), a Grande Seção do Tribunal de Justiça da União Européia (processo C-131/12), superou a compreensão que até então se conferia ao “direito ao esquecimento”, ao deferir o pedido de que o motor de busca na Internet Google adotasse as providências necessárias para retirar de seu índice (ou lista de resultados) os dados pessoais do espanhol Mario Costeja González.
Neste caso, as informações em relação às quais
se referiu a decisão da Corte Européia não cuidavam de ilícito penal ou de fato
com repercussão na honra de Mário Costeja González, mas de dados relativos à
venda em hasta pública de um imóvel com vista ao resgate judicial de dívida
para com a Seguridade Social, cuja publicação ocorrera há 16 anos.
Segundo
considerou aquele Tribunal, por um lado, haveria sensibilidade para a vida
privada e, por outro, transcorrido tanto tempo, não haveria razões especiais
que justificassem o interesse público preponderante em ter acesso à referida
informação ou tampouco o próprio interesse econômico da Google. Logo, a razão
estava com o espanhol.
Portanto, o
Tribunal de Justiça da União Européia entendeu que o direito fundamental à vida
privada, previsto na Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia
(art. 7º), e o direito à proteção dos
dados pessoais, previsto no mesmo Diploma no art. 8º, prevaleceria sobre o
interesse das pessoas potencialmente interessadas em ter acesso à informação.
Contudo,
aquela corte ponderou que a exclusão de informações de pessoas notórias das
listas de resultados em motores de busca não poderia ocorrer sem maiores
indagações, pois, ao contrário das pessoas singulares, suas atuações produzem
interesse no grande público. Nesse caso, o direito à preservação da vida
privada cederia passo ao preponderante interesse geral em ter acesso a tais informações.
Com isso, segundo o precedente referido,
a pessoa singular, ou seja, o cidadão comum, independentemente da demonstração
de qualquer prejuízo, poderia solicitar a retirada de dados relacionados a sua
pessoa, desde que essa informação não mais interesse ao grande público.
2.1
– INFORMAÇÃO DE INTERESSE DO GRANDE PÚBLICO.
Acomodadas tais conclusões, ainda restará
oferecer resposta à seguinte indagação: que informação é de interesse público a
ponto de justificar sua permanência em sítios, motores de busca e outras
publicações?
De nossa parte, cuidamos que certa
parcela de indivíduos, em razão do preponderante interesse maior de acesso à
informação, deve receber proteção apenas mitigada do direito à vida privada, à
intimidade e à imagem.
Desse modo,
como já nos posicionamos em outra reflexão, as opiniões de
particulares/cidadãos ou jornalistas sobre as ações de ocupantes de cargos
públicos, detentores de mandatos ou quaisquer pessoas que manuseiem dinheiros
públicos, devem ser protegidas. Neste caso, somente se lhe poderá impor
reprimenda penal ou indenização cível quando o fato assacado for manifestamente
inverídico ou, como se dá nos Estados Unidos, quando a “figura pública” lograr
demonstrar que o emissor da declaração a publicou com “má fé real”, isto é, que
agiu com prévio conhecimento de que a informação era falsa ou visava apenas
prejudicar o caráter, a boa fama ou a
reputação.[iv] Todavia, em se
tratando de agente público, conforme vem entendendo o Supremo Tribunal Federal,
mesmo se ofendido em sua honra e imagem, a indenização há que observar
“cláusula de modicidade”, em razão de que todo agente público há que estar em
permanente vigília da cidadania, principalmente quando sua conduta não prima
por todas as aparências de legalidade.[v]
As informações também não devem ser
excluídas no caso de artistas e outros “famosos”, que por profissão, ofício ou
ocupação, têm sua intimidade mais exposta que as pessoas comuns.[vi]
No entanto, mesmo em tais casos, somente há que se permitir a invasão da esfera
imediatamente ligada à opção profissional de tais pessoas, pois este aspecto de
suas vidas, inegavelmente, não pertence ao domínio privado e individual das
“celebridades”, mas ao interesse do público a quem dirigem suas atividades
(fãs, eleitores, torcedores, etc.).
Obtempere-se, contudo, que se os fatos
comuns da vida do “famoso” forem relevantes por si mesmos (por exemplo, se
alguém, ainda criança, perde parte de um dos membros inferiores em um acidente
de trem), ou, por outro aspecto, não puderem ser excluídos sem comprometer a
estrutura fundamental de sua história de vida, não será o caso de proibir-se,
por exemplo, a publicação de biografias que incluam este fato, pois tais
informações serão de interesse geral, porquanto indissociáveis da vida pública
pela qual optou.
No entanto, em relação a Xuxa Meneghel, caso em que a apresentadora ajuizou ação junto à Justiça do Rio de Janeiro requerendo que o site de busca Google não mostrasse qualquer link a sites que a relacionassem com as palavras "pornografia" e "pedofilia" e que conduziriam ao filme "Amor Estranho Amor", de 1979 (em que a então modelo se relaciona com um menino de 12 anos), a questão foi encerrada pelo STJ e STF (esta Corte processualmente apenas) com a negação da aplicação do direito ao esquecimento, conforme abaixo resumimos.
No entanto, em relação a Xuxa Meneghel, caso em que a apresentadora ajuizou ação junto à Justiça do Rio de Janeiro requerendo que o site de busca Google não mostrasse qualquer link a sites que a relacionassem com as palavras "pornografia" e "pedofilia" e que conduziriam ao filme "Amor Estranho Amor", de 1979 (em que a então modelo se relaciona com um menino de 12 anos), a questão foi encerrada pelo STJ e STF (esta Corte processualmente apenas) com a negação da aplicação do direito ao esquecimento, conforme abaixo resumimos.
O STF enfrentou o tema “Direito ao Esquecimento” ?
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O Supremo Tribunal Federal ainda não enfrentou o
tema diretamente. No entanto, por meio do Recurso Extraordinário com Agravo
(ARE) 833248, que teve repercussão geral reconhecida pelo Plenário Virtual da
Corte –, analisará a aplicação do chamado “direito ao esquecimento” na esfera
civil, quando a veiculação midiática de fatos pretéritos e que
supostamente já teriam sido esquecidos pela sociedade.
Recentemente, embora sem adentrar ao mérito do
debate, o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, negou
seguimento à Reclamação (RCL) 15955, ajuizada pela apresentadora Maria da
Graça Xuxa Meneghel, com a pretensão de restabelecer decisão do Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) que restringiu a exibição de suas
imagens nas pesquisas do Google, por não por vislumbrar que acórdão do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), que cassou a liminar que impunha a
restrição, houvesse violado a Súmula Vinculante 10 do STF.
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O STJ enfrentou
diretamente o tema?
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Não. Embora em outras oportunidades já tenha se
debruçado sobre o mérito do tema “direito ao esquecimento” (conforme já comentamos neste artigo), o STJ na
oportunidade apenas definiu a natureza jurídico-funcional do Google e não se debruçou
sobre o direito de exclusão de informações pretéritas que causem
constrangimento a alguém e apenas tangenciou o tema, ao sopesar os direitos
envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, afirmando que o
fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação
assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88, sobretudo considerando que a
Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa.
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Qual o conteúdo da decisão
do Superior Tribunal de Justiça mantida pelo STF?
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Decidiu
o STJ que “os provedores de pesquisa realizam suas buscas dentro de um
universo virtual, cujo acesso é público e irrestrito, ou seja, seu papel se
restringe à identificação de páginas na web onde determinado dado ou
informação, ainda que ilícito, estão sendo livremente veiculados.
Dessa
forma, ainda que seus mecanismos de busca facilitem o acesso e a consequente
divulgação de páginas cujo conteúdo seja potencialmente ilegal, fato é que
essas páginas são públicas e compõem a rede mundial de computadores e, por
isso, aparecem no resultado dos sites de pesquisa.
Os provedores
de pesquisa não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados
derivados da busca de determinado termo ou expressão, tampouco os resultados
que apontem para uma foto ou texto específico, independentemente da indicação
do URL da página onde este estiver inserido.
Não se pode, sob o pretexto de
dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o
direito da coletividade à informação.”
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Direito do Consumidor.
Mesmo tratando-se de pessoas sem nenhuma notoriedade, quando estas vierem a praticar algum ato de interesse do grande público, e isso não lhes trouxer embaraços à vida privada, a informação deverá conservar-se publicada. Seria o caso, por exemplo, da pessoa que pratica ato de heroísmo, de honestidade, de altruísmo ou qualquer outro fato que alcance repercussão geral.
Mesmo tratando-se de pessoas sem nenhuma notoriedade, quando estas vierem a praticar algum ato de interesse do grande público, e isso não lhes trouxer embaraços à vida privada, a informação deverá conservar-se publicada. Seria o caso, por exemplo, da pessoa que pratica ato de heroísmo, de honestidade, de altruísmo ou qualquer outro fato que alcance repercussão geral.
Além disso, críticas
e opiniões manifestadas por consumidores sobre produtos e serviços de empresas,
sem dúvida, são de interesse de outros consumidores. Com efeito, nada pode ser
mais útil do que saber de antemão que empresas prestam serviços ruins ou
fornecem produtos com defeito ou sem qualidade. Contudo, neste particular, dado
que as pessoas jurídicas de direito privado podem sofrer danos morais (Súmula
STJ 227) – em vista de que a proteção dos direitos da personalidade também se
lhes aplicam (Art. 52, do CC) –, urgentemente, deve o Estado legislar no
sentido de conferir proteção aos consumidores para que assim possam exercer,
plenamente, o direito à liberdade de expressão.
3-CONCLUSÕES
A Constituição Federal, embora não o faça
expressamente – ao assegurar os direitos à privacidade, à honra, à imagem e à
intimidade –, pressupõe um “direito fundamental ao esquecimento”.
Entrementes, o
exercício deste direito – materializado que seja pela apreensão de livros,
jornais ou periódicos ou pela exclusão de informações em blogs, sítios e
motores de busca –, à nossa leitura, somente poderá ser levado a efeito quando
houver séria e efetiva violação de direitos da personalidade. Em sendo esta a
hipótese, advirta-se, a ofensa deverá ser analisada objetivamente e meros
melindres não poderão ser tomados como justificativa para que tais medidas de
força sejam adotadas.
Somente se
justificará a atuação judicial quando:
a) A informação
for manifestamente inverídica ou tenha evidente propósito difamatório, for
inútil para o grande público e, ao mesmo tempo, atente contra a honra, a
imagem, a intimidade, a privacidade, a infância ou outros valores da pessoa a
qual a manifestação se refere;
b) No caso de
artistas, desportistas, políticos e outros “famosos”, em se tratando de fatos
sem nenhuma importância histórica, biográfica, ou cuidem-se de fatos banais
completamente dissociados de suas vidas “públicas”;
c) A informação
relativa à pessoa natural ou jurídica, embora lícita, útil e necessária ao
tempo em que foi publicada, decorrido certo tempo sem mais nada a justificá-la
(sem que necessite demonstrar qualquer prejuízo, ao alvedrio do
interessado).
Por Airton Portela, Professor, Juiz Federal, ex Analista, ex-Advogado da União e ex-Procurador Federal.
[i]
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. Gilmar
Ferreira Mendes, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 7. ed.rev. e atual. – São Paulo:
Saraiva, 2012. p. 325.
[ii]
Idem.
[iii]
KHOURI, Paulo R. O direito ao
esquecimento na sociedade de informação e o Enunciado 531 da VI Jornada de
Direito Civil. Revista
de Direito do Consumidor, v. 89,| p. 463 e ss., set. 2013.
[iv] Nesse
sentido, Suprema Corte dos Estados Unidos: New
York Co. v. Sullivan, 376 U.S. 254, 279 91964) , Gertz v. Robert Welch, Inc.,418 U.S. 323 (1974) e Dun & Bradstreet, Inc., 472 U.S..
479 (1985).
[v]
STF - (ADPF 130, Rel.
Min. Ayres Britto, julgamento em 30-4-2009, Plenário, DJE de
6-11-2009.) No mesmo
sentido: AO 1.390, Rel. Min. Dias Toffoli,
julgamento em 12-5-2011, Plenário, DJE de
30-8-2011;AC 2.695-MC, Rel. Min. Celso de Mello,
decisão monocrática, julgamento em 25-11-2010, DJE de
1º-12-2010.
[vi]
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
4815, a Associação Nacional dos Editores de Livros questiona os artigos 20 e 21
do Código Civil – dispositivos que regulam a possibilidade de proibição das
biografias não autorizadas.
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