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domingo, 31 de maio de 2015

COMENTÁRIOS À EMENDA CONSTITUCIONAL nº 86/ 2015 - EMENDAS PARLAMENTARES IMPOSITIVAS.


Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume II- Airton Portela  

A Emenda Constitucional nº 86 tornou obrigatórias a realização de emendas parlamentares individuais. Rápida digressão nos permitirá entender como, porque e em que contexto isso se deu.

Por uma conceituação mais simples, orçamento é o instrumento legal autorizativo aprovado pelo Poder Legislativo para atuação do Poder Executivo para a realização de receitas e despesas.

Nesse processo, as chamadas emendas parlamentares individuais, feitas ao Orçamento Geral da União, denominado de Lei Orçamentária Anual (LOA) – enviada pelo Executivo ao Congresso, anualmente –, são proposições por meio das quais os parlamentares podem interferir no endereçamento de recursos públicos, nesse caso destinado parcelas destes, via de regra, as suas bases eleitorais.

Existem quatro tipos de emendas feitas ao orçamento: individual, de bancada, de comissão e de relatoria. As emendas individuais, que nos interessam diretamente nesta reflexão, são de autoria de cada parlamentar.

Ocorre que as emendas parlamentares individuais até a entrada em vigor da EC 86 não tinham caráter vinculante posto que conceituadas como transferências intergovernamentais voluntárias. Com efeito, quase sempre eram utilizadas como “instrumentos de governabilidade”, ou, de forma mais direta, “moeda de troca” que forçava os parlamentares a votarem favoravelmente as proposições do Poder Executivo, pois do contrário suas emendas eram contingencidas. 

A fim de conferir maior independência aos membros das casas legislativas em relação ao Poder Executivo, a Emenda Constitucional nº 86 estabeleceu a obrigatoriedade da programação orçamentária prevista nas emendas parlamentares individuais nos seguintes termos:

1) Foi estabelecida uma vinculação de receitas para gastos com emendas parlamentares individuais no percentual de até 1,2% da receita corrente líquida prevista no Projeto de Lei Orçamentária enviado pela União. Todavia, metade desse percentual deverá destinar-se a ações e serviços públicos de saúde (artigo 166, parágrafo 9o), inclusive para custeio, sendo vedado seu uso para pagamento de despesas com pessoal ou encargos sociais (artigo 166, parágrafo 10), mas este valor que será aplicado em saúde será considerado no montante anual que a União obrigatoriamente deve despender (artigo 166, parágrafo 10);
2) Esse percentual de 1,2% será executado de forma equitativa (artigo 166, parágrafo 11), assim entendendo-se a igual e impessoal divisão de recursos entre todas as emendas parlamentares (artigo 166, parágrafo 18), independentemente da autoria;

3) A obrigatoriedade da execução orçamentária das emendas parlamentares individuais somente cessará quando ocorrer impedimento de ordem técnica (artigo 166, parágrafo 12), ou seja, obstáculo que impeça a realização do empenho da despesa. Este impedimento deverá ser formalmente comunicado ao Poder Legislativo no prazo de 120 dias da promulgação da lei orçamentária pelos Poderes Executivo ou Judiciário, pelo Ministério Público ou Defensoria Pública (artigo 166, parágrafo 14, I).
Sendo insuperável o impedimento, o Poder Legislativo em 30 dias indicará ao Poder Executivo o remanejamento da programação orçamentária daquela verba (artigo 166, parágrafo 14, II), o qual deverá encaminhar esta reprogramação como projeto de lei em até 30 dias, ou até a data de 30 de setembro (artigo 166, parágrafo 14, III).
4) Quando a transferência obrigatória da União para a execução da programação decorrente de emendas parlamentares individuais for destinada a Estados, ao Distrito Federal e a Municípios, não estará condicionado à adimplência do ente federativo destinatário e não integrará a base de cálculo da receita corrente líquida para fins de aplicação dos limites de despesa de pessoal de que trata o caput do art. 169 da Constituição Federal.

5) Contudo, a vinculação de 1,2% poderá também ser contingenciada caso possa implicar em descumprimento da meta de superavit primário estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias.
Desse modo, à guisa de exemplo, em 2015, o governo teria de executar, R$ 7,699 bilhões em emendas parlamentares individuais. No entanto, houve o contingenciamento de tais emendas impositivas na mesma proporção do corte nas despesas discricionárias e assim reduziu-se em 35,4% o volume de gastos da rubrica originada por emendas parlamentares impositivas para R$ 4,636 bilhões.
6) A Emenda Constitucional nº 86 estabeleceu que a União deverá aplicar montante não inferior a 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro (artigo 198, parágrafo 2o, I). 

7) De resto, caberá à lei complementar dispor sobre critérios para a aplicação da referida execução equitativa (repise-se, significa a definição da fórmula pela qual se dará a execução obrigatória e impessoal das emendas parlamentares individuais), além de procedimentos que serão adotados quando houver impedimentos legais e técnicos, cumprimento de restos a pagar e limitação das programações de caráter obrigatório, em relação as quais fizemos referência no item anterior.

Por Airton Portela, Professor, Juiz Federal, ex Analista, ex-Advogado da União e ex-Procurador Federal.

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