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sábado, 27 de junho de 2015

A MAIS IMPORTANTE MUDANÇA TRAZIDA PELO NOVO CPC

 O jurista e filósofo estadunidense Roscoe Pound ensinava que “o direito deve ser estável, no entanto, não pode ser estático.”

Essa frase parece encaixar-se como uma luva àquela que materializará a mudança mais significativa de tudo o quanto cuidou o novo Código de Processo Civil.
O novo Código de Processo Civil (lei nº 13.105, de 2015), em seu art. 927, I e II, determina a juízes e aos tribunais a observância das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade e os enunciados de súmula vinculante.
Até aqui nada de novo porquanto, nesse caso, já há no ordenamento a previsão de reclamação constitucional quando juízes ou tribunais (ou mesmo órgãos administrativos), em relação às decisões do STF em controle concentrado (ações diretas e ADPFs):
a) usurpem a competência do STF;
b) desrespeitem ou descumpram as referidas decisões;
c) não aceitem a autoridade das súmulas vinculantes.      
    A Reclamação, relembre-se, está prevista no texto constitucional (artigo 102, inciso I, alínea “i”) e deve ser ajuizada diretamente junto ao STF.

    De outro modo, contudo, quando o mesmo artigo 927, nos incisos III, IV, e V, do novo Código de Processo Civil impõe aos juízes e aos tribunais a observância de precedentes originados no controle difuso (caso concreto e inter partes), fora de dúvida, emerge para o mundo jurídico algo de muito novo e que, certamente, suscitará intensos debates na comunidade jurídica.
  
    Eis que as referidas disposições obrigam juízes e tribunais à observância de:   

   a) acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos (STF e STJ, respectivamente);

   b) enunciados das súmulas do STF (não vinculantes ou persuasivas) em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

   c) da orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados os juízos.

   Em tais casos, para deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, deverá o julgador demonstrar:

   a) a existência de distinção no caso em julgamento ou;

   b) a superação do entendimento.

  Assim, sem embargo de que integre o sistema jurídico romano-germânico (civil law), o ordenamento processual brasileiro parece perfilhar parcialmente a chamada teoria do stare decisis, que como se sabe advém da expressão latina stare decisis et non quieta movere (mantenha-se a decisão e não se modifique o que foi decidido), modelo que alcança sua maior expressão nos Estados Unidos, país que adota o sistema do common law.[1]

    Tais disposições, conforme inspiradas no referido sistema common Law, materializam o distinguishing (quando ocorre distinção entre o caso em julgamento e o precedente-paradigma), e o overruling (técnica na qual se reconhece em um precedente a perda de sua força vinculante e assim pode ser substituído).[2]

    No primeiro caso (a existência de distinção no caso em julgamento), aplicar-se-ia o chamado stare decisis vertical (binding effect): a ratio decidendi firmada no precedente será de observância obrigatória pelos tribunais hierarquicamente inferiores.

  Na segunda hipótese (a superação do entendimento), em muito se assemelha o stare decisis horizontal: a ratio decidendi firmada no precedente será de observância obrigatória pelo tribunal que a formulou, ou seja, o tribunal deve obediência aos seus próprios precedentes.

    Desse modo, quer nos parecer, definitivamente, instalou-se o sistema de precedentes no ordenamento jurídico pátrio.
     
     Nesse sentido, a nova sistemática inaugurada pelo Código de Processo Civil busca ainda a aplicação dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (que é a feição horizontal do stare decisis) e ambiciona alcançar todos os juízos e tribunais, inclusive o próprio Supremo Tribunal Federal (em recursos extraordinários repetitivos).
     
      Tais mandamentos estão presentes na redação do § 4º do art. 927, do novo CPC. Senão, vejamos:  
 “§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.”
 Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal e ex-Analista

[1] No direito estadunidense a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória para todos os juízes e tribunais, e, portanto, a declaração de inconstitucionalidade em um caso concreto traz como consequência a não aplicação daquela lei a qualquer outra situação, porque todos os tribunais estarão subordinados à tese jurídica estabelecida. De modo que a decisão, não obstante referir-se a um litígio específico, produz efeitos gerais, em face de todos (erga omnes). (BARROSO, 2012, p. 71).
[2] Conforme disposições contidas nos artigos. 489, § 1º, combinado com o artigo 927, § 1º, do novo Código de Processo Civil.

quarta-feira, 24 de junho de 2015

STF: CINCO NOVAS SÚMULAS VINCULANTES



    O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou no dia 23.06.2015 cinco novas súmulas vinculantes (aprovadas pelo Plenário da Corte nos dias 17 e 18 de junho). 

    As súmulas vinculantes foram instituídas ao objetivo de evitar a repetição de demandas em matérias já pacificadas no STF. A partir da publicação, tais verbetes vinculantes passam a obrigar os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
     
    As novas súmulas publicadas cuidam de temas relacionados ao direito comercial (SV 49), tributário (SVs 50 e 52), administrativo (SV 51) e trabalhista (SV 53).

   Confira-se:

segunda-feira, 22 de junho de 2015

A aposentadoria compulsória alcança todo o serviço público, inclusive cargos em comissão, empregos públicos e cartórios?

     A aposentadoria compulsória é a regra constitucional que transfere o servidor para a inatividade quando perfaz certa idade (setenta ou setenta e cinco anos de idade, consoante opção que adotará lei complementar, conforme já explicamos em postagem anterior).
    
  Em princípio, a aposentadoria compulsória somente alcança o servidor efetivo da União, Estados, DF, Municípios (e respectivas autarquias e fundações). 

  Assim, por exemplo, como sejam os serviços cartorários e notariais exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público, seus titulares notários e os registradores, embora exerçam atividade estatal, não são titulares de cargo público efetivo e assim não são alcançados pela aposentadoria compulsória.[1]
    
   Contudo, o STF, por unanimidade, reconheceu repercussão geral para a matéria tratada no Recurso Extraordinário (RE) 786540, que discute a aplicação da aposentadoria compulsória ao servidor público ocupante exclusivamente de cargo em comissão, assim como a possibilidade de que o servidor efetivo aposentado compulsoriamente assuma cargos ou funções comissionadas.  Com isso, a questão permanecerá indefinida até que o Excelso Pretório a enfrente definitivamente.   

   Quanto aos empregados públicos (empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista), a jurisprudência majoritária do TST vem afirmando que também são alcançados pela aposentadoria compulsória, pois se tratam de servidores públicos latu sensu.[2]


[1]     STF - (ADI 2.602, rel. p/ o ac. min. Eros Grau, julgamento em 24-11-2005, Plenário, DJ de 31-3-2006.) No mesmo sentido: AI 494.237-AgR, rel. min. Joaquim Barbosa, julgamento em 23-11-2010, Segunda Turma, DJE de 7-12-2010.
[2]   TST - (TST, RR- 570-25.2010.5.15.0088, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, DEJT de  31 de agosto de 2012).

sábado, 13 de junho de 2015

APROVAÇÃO EM CONCURSOS PÚBLICOS: MÉTODOS E TÉCNICAS PARA ESTUDO (SEGUNDA PARTE)

(...) Continuação


3. Método.
  
 Quanto ao método, embora alguns sustentem que cada um deve desenvolver o seu, vejo em tal afirmação um grande risco: o candidato pode trilhar um caminho errado e perder tempo.

    Ouso afirmar que o candidato não deve pretender inventar a roda. Deve sim apropriar-se, no bom sentido, das melhores ideias alheias, ou seja, utilizar os “mapas” de quem já descobriu o tesouro da aprovação.

   Entre tentativas e erros, e, sobretudo, buscando assimilar a experiência de outros aprovados nos mais diversos concursos, consegui entender a "lógica dos vencedores". 

     Quando ainda era aluno da graduação, jamais me preocupei com a nota dez. Procurei sim assenhorear-me, definitivamente, do conhecimento que estava a minha disposição (sem nenhum demérito aos excelentes professores que tive, bem mais na biblioteca do que no cabedal jurídico oferecido por meus mestres). 

    Não esperava nada da escola. Sabia que o conhecimento ali obtido, igual ao de qualquer outro curso de graduação (não importando o quão bem conceituado pudesse ser), não forneceria o conteúdo necessário para que eu alcançasse meus objetivos. 
       
    Fazia meu próprio plano de estudos que, assinale-se, não guardava qualquer compatibilidade com a ordem prevista na grade curricular de minha universidade, pois entendia que o cérebro é dotado de um estranho mecanismo de preservação e descarte de informação.

      Ou seja, o cérebro tende a registrar a informação incomum, as diferenças e as afinidades entre as mensagens recebidas e descartar ou manter em memória de curto prazo. 


      Isso porque, como se sabe, o cérebro possui três tipos de memória: a memória sensorial, a memória de curto prazo e a memória de longo prazo.


     A memória sensorial constitui-se de um sistema de memória que através da percepção da realidade pelos sentidos retém por alguns segundos a imagem detalhada da informação sensorial recebida por algum dos órgãos de sentido. É responsável pelo processamento inicial da informação.


      A memória de curto prazo é quem recebe as informações provindas da memória sensorial e as retém por alguns segundos, minutos, horas ou dias para que sejam utilizadas, descartadas ou mesmo organizadas para serem armazenadas na memória de longo prazo.


      A memória de longo prazo é quem recebe as informações vindas da memória de curto prazo e as armazena. Possui capacidade ilimitada de armazenamento e as informações ficam nela guardadas por tempo ilimitado. É responsável pelas seguintes operações: armazenamento, esquecimento e recuperação e está interligada por uma rede de esquemas e será esta a maior responsável pela aprovação em um concurso público (mas, como se verá, a memória de curto prazo também será útil para revisões na véspera da prova)



      Como então enviar as informações, retidas temporariamente na memória de curto prazo, para a memória de longo prazo?.
 
     A memória de longo prazo, tal qual um arquivo organizado por uma secretária alemã, não aceita armazenar as informações de qualquer jeito. Para que as receba devem estar organizadas, consolidadas, distribuídas por padrões, semelhanças, diferenças temas, subtemas, etc.

     Concluí, no meu ainda rude e empírico processo de aprendizado, que o direito, assim como outros ramos do saber humano congêneres, não é difícil de aprender, é apenas muito extenso. Há muita informação para assimilar e não há tempo a perder. Todo o tempo disponível deve ser utilizado e a informação colhida deve ser cuidada como uma joia valiosa para que a memória de longo prazo a receba.
   
     As técnicas mais utilizadas por quem busca assimilar informações e conteúdos e enviá-las para a memória de longo prazo são as seguintes:

1-   Leitura simples
2-   Leitura e releitura com destaques (grifos);
3-   Métodos mnemônicos;
4-   Visualização;
5-   Elaboração de resumos;
6-   Formulação de perguntas e questionários;
7-   Autoexplicação ou aulas para si mesmo;
8-   Leitura de temas intercalados;
9-   Estudo intercalado com a prática de testes (exercícios ou questões sobre a matéria).
        
     Qual a melhor técnica?

quinta-feira, 11 de junho de 2015

PÁGINA DO JUIZ FEDERAL E PROFESSOR AIRTON PORTELA
A lei, suas interpretações e alterações, aspectos inquietantes do direito, doutrina nacional e comparada, jurisprudência do STF atualizada e comentada, além de dicas, conteúdos e estratégias para aprovação em concursos públicos.

O STF JULGOU INCONSTITUCIONAL A EXIGÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO PARA A PUBLICAÇÃO DE BIOGRAFIAS



O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4815) ajuizada pela Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel), por unanimidade, declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de biografias.

        Na referida ADI, a ANEL sustentou que os artigos 20 e 21 do Código Civil conteriam regras incompatíveis com a liberdade de expressão e de informação.
      
   Confira-se as disposições contidas nos questionados dispositivos do Código Civil.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais.

Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.”
      
     Assim, por conduto do voto da reatora, ministra Cármen Lúcia, o STF conferiu interpretação conforme a Constituição da República aos referidos artigos 20 e 21 do Código Civil, para conformá-los o sistema protetivo contido nos direitos fundamentais à liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas), conforme se pode conferir no dispositivo do voto da Ministra Relatora:
       
   “a) em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas);


   b) reafirmar o direito à inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, nos termos do inc. X do art. 5º da Constituição da República, cuja transgressão haverá de se reparar mediante indenização.”


    Esse histórico julgamento proferido pelo STF, conforme se extrai do conjunto de fundamentos invocados pelos Ministros em seus votos, identificou “uma tensão entre a liberdade de expressão e o direito à informação, de um lado, e os direitos da personalidade (privacidade, imagem e honra), do outro – e, no caso, o Código Civil ponderou essa tensão em desfavor da liberdade de expressão, que tem posição preferencial dentro do sistema constitucional.”
    
     Embora que no cotejo de tais valores constitucionais (liberdade de expressão versus privacidade) o STF tenha afirmado a prevalência do primeiro conjunto de direitos no caso concreto, “os direitos do biografado não ficarão desprotegidos: qualquer sanção pelo uso abusivo da liberdade de expressão deverá dar preferência aos mecanismos de reparação a posteriori, como a retificação, o direito de resposta, a indenização e até mesmo, em último caso, a responsabilização penal.” 

     Desse modo, o STF ministrou um importante fertilizante para que a árvore democrática continue a crescer frondosa, qual seja; o reconhecimento da não exigência de prévia autorização para a divulgação de imagens, escritos e informações, com finalidade biográfica, de pessoas cujas trajetórias pessoais, artísticas ou profissionais tenham dimensão pública ou estejam inseridas em acontecimentos de interesse da coletividade, sejam estas políticos, artistas, desportistas, entre outros “famosos”, pois este alcance largo que se há de conferir a liberdade de expressão representará um importantíssimo passo para que nos aproximemos mais de países com processos democráticos mais avançados, onde, mencione-se, há muito não se cogita de tal exigência.

 

      Por Airton Portela, Professor, Juiz Federal, ex Analista, ex-Advogado da União e ex-Procurador Federal, ex- Analista e ex-Advogado de Militância Privada. . 
        


quarta-feira, 10 de junho de 2015

A Lei Complementar nº 150/2015 (lei das domésticas) tornou o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar impenhorável mesmo diante de créditos de trabalhadores da própria residência(e respectivas contribuições previdenciárias)?

Sim. Ao revogar o inciso I, do art. 3º da lei nº 8.009/1990.
  
A lei 8.009/1990, como se sabe, tem por impenhorável o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar e assim não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam.

   Tal impenhorabilidade alcança também o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados. Além disso, a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza. No entanto, permitia a penhora do referido imóvel residencial e seus acessórios em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias.
   
    Com a revogação do referido dispositivo (inciso I, do art. 3º da lei nº 8.009/1990) o imóvel residencial próprio do casal (ou da entidade familiar) e seus acessórios, desde que não se tratem de veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos (art. 2º, da lei 8.009/1990), não mais podem ser objeto de penhora em razão de créditos de trabalhadores da própria residência e respectivas contribuições previdenciárias.

     A referida impenhorabilidade, diante da alteração trazida pela EC nº 150/2015, abrange, inclusive, os processos em tramitação pois a jurisprudência assente do STJ afirma que a lei 8.009/1990 alcança também os processos em curso (jurisprudência firmada logo após a entrada em vigor da lei 8.00990, que pensamos aplica-se perfeitamente ao caso).

      Por Airton Portela, Professor, Juiz Federal, ex Analista, ex-Advogado da União e ex-Procurador Federal 
 

terça-feira, 9 de junho de 2015

Comentários à lei Complementar nº 150/2015: "a lei das domésticas" (lei dos trabalhadores domésticos)

Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume I- Airton Portela

   Ao propósito de regulamentar a Emenda à Constituição nº 72/ 2013 (que como se sabe alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da Constituição Federal para estabelecer a igualdade de direitos trabalhistas entre os trabalhadores domésticos e os demais trabalhadores urbanos e rurais), foi publicada no dia 02 de junho de 2015 a Lei Complementar Nº 150/2015, a lei dos domésticos.

   Dentre os mais importantes pontos tratados pela referida Lei complementar nº 150 tem-se a definição da condição de trabalhador doméstico, modalidades de contrato de trabalho, as hipóteses e a definição de horas extras, a instituição do banco de horas, a previsão do trabalho parcial, a jornada de 12x36 (assim alcançando o trabalho desempenhado pelos chamados “cuidadores”), a definição das parcelas que não integram a remuneração, a definição de alíquotas previdenciárias e de FGTS e ainda o adicional de 25% no caso de acompanhamento em viagens.
      
    De mais a mais, a nova lei instituiu o regime unificado de pagamentos de tributos e encargos do empregador doméstico, o Simples Doméstico e o Programa de Recuperação Previdenciária dos Empregadores Domésticos (REDOM), destinado ao parcelamento dos débitos do empregador doméstico com INSS vencidos até 30 de abril de 2013.
    
   Malgrado a Lei Complementar nº 150 cuidar especificamente do tema, ao empregado doméstico também se aplicam as Leis nº 605, de 5 de janeiro de 1949, no 4.090, de 13 de julho de 1962, no 4.749, de 12 de agosto de 1965, e no 7.418, de 16 de dezembro de 1985, e, subsidiariamente, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
 
    Sem o propósito de esgotar o tema, nesta assentada, comentaremos os pontos mais importantes e polêmicos da lei dos domésticos (lei das domésticas).
Quem pode ser considerado empregado doméstico?
   
     O emprego doméstico é caracterizado quando um empregado trabalha acima de dois dias na semana em uma mesma residência, de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família no âmbito residencial.
   
    Em sentido inverso, somente será considerado diarista e, portanto, sem vinculo empregatício, o trabalhador contratado para serviços domésticos por no máximo dois dias. Nesse particular, a nova lei pôs fim a uma antiga controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a quantidade de dias trabalhados semanalmente para que se caracterizasse o vinculo empregatício.
    
      No mais, a nova Lei veda o trabalho aos menores de 18 anos. 
Qual a jornada de trabalho do empregado doméstico?
   
     A duração normal do trabalho doméstico não excederá 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, observado o disposto nesta Lei. 

     No entanto, é obrigatória a concessão de intervalo para repouso ou alimentação pelo período de, no mínimo, 1 (uma) hora e, no máximo, 2 (duas) horas, admitindo-se, mediante prévio acordo escrito entre empregador e empregado, sua redução a 30 (trinta) minutos. 

      Caso o empregado resida no local de trabalho, o período de intervalo poderá ser desmembrado em 2 (dois) períodos, desde que cada um deles tenha, no mínimo, 1 (uma) hora, até o limite de 4 (quatro) horas ao dia.

         Será possível que o empregado trabalhe até 12 (doze) horas por dia, desde que haja acordo escrito entre empregador e empregado, mas, nesta hipótese, tais horas trabalhadas serão seguidas por 36 (trinta e seis) horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.  

      Horas extras do empregado doméstico


      De tudo o quanto tratado pela LC 150, por certo tema hora extra é o que mais ensejará debates.  
     
     Hora extra, hora suplementar ou hora extraordinária pode ser definida como o período de trabalho excedente à jornada contratada ou definida como limite legal. Poderá ocorrer antes do início da jornada, no intervalo para repouso e alimentação (que no caso dos domésticos será de, no mínimo, uma hora e no máximo duas horas) ou repouso semanal. Nesse caso, não se faz necessário o exercício efetivo do trabalho, mas estar à disposição do empregador.

      Portanto, o trabalho que exceder a 44 horas semanais será considerado como horas extras, sendo que a remuneração da hora extraordinária será, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) superior ao valor da hora normal.

      Já o trabalho não compensado prestado em domingos e feriados deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal. 

     As primeiras 40 (quarenta) horas mensais excedentes ao horário normal de trabalho, necessariamente, deverão ser pagas como horas extraordinárias? 

    Não. Se instituído regime de compensação de horas, mediante acordo escrito entre empregador e empregado, o excesso de horas de um dia poderá ser compensado em outro dia. 

  Também as primeiras 40 (quarenta) horas mensais excedentes poderão ser deduzidas (descontadas), sem o correspondente pagamento, quando houver redução do horário normal de trabalho ou de dia útil não trabalhado durante o mês. Esta hipótese, prevista no art. 2º, § 4º, II, embora a lei não faça referência expressa a necessidade de prévio acordo escrito, como o fez em relação à compensação prevista no caput do § 5º, o empregador, por cautela, deve também cuidar dessa possibilidade quando da feitura do contrato de trabalho.

     Como se nota poderá não haver o correspondente pagamento das primeiras quarenta horas extras em duas hipóteses: compensação e dedução (desconto na remuneração mensal).

    Todavia, tanto na hipótese de compensação quanto de dedução, quando se referirem as quarenta primeiras horas extras trabalhadas, somente poderão ser levadas a efeito em relação ao mês de sua ocorrência.

     Ao se referir as quarenta primeiras horas extras trabalhadas, a Lei Complementar nº 150, apesar da má redação, pretendeu estabelecer um limite de horas extras que poderiam ser compensadas ou deduzidas para assim preservar a remuneração mensal do trabalhador.  

     Desse modo, não por outro razão, a lei determinou que o saldo de horas extras que excederem as 40 (quarenta) primeiras horas mensais somente deverá ser deduzido ou compensado em período não compreendido no mês em que ocorreu e em no máximo 1 (um) ano. 

     Na hipótese de rescisão do contrato de trabalho sem que tenha havido a compensação integral da jornada extraordinária na forma e nas condições previstas na lei complementar nº 150, ora em exame, o empregado fará jus ao pagamento das horas extras não compensadas ou deduzidas, calculadas sobre o valor da remuneração na data de rescisão.

     Os intervalos, o tempo de repouso, as horas não trabalhadas, os feriados e os domingos livres em que o empregado que mora no local de trabalho nele permaneça não serão computados como horário de trabalho e assim não há que se falar em hora extra. 

        Cumpre novamente aludir-se ao fato de que não haverá horas extras na hipótese em que o empregado trabalhe até 12 (doze) horas por dia quando exista prévio acordo escrito entre empregador e empregado, desde que tais horas trabalhadas sejam seguidas por 36 (trinta e seis) horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação.
      
      De resto, a jurisprudência da Justiça do Trabalho, ao abrigo do artigo 818 da CLT e art. 333, I, do antigo CPC (ainda em vigor), é assente no sentido de que o ônus de provar a existência de horas extras será de quem as alegar.  
      FGTS, Contribuição previdenciária e Imposto de Renda

O empregador deverá recolher 8% relativo ao FGTS, 8% de contribuição previdenciária pelo empregador (parcela patronal), 8% de contribuição previdenciária pelo empregado (deduzida de sua remuneração) e ainda outras contribuições previdenciárias traduzidas em 0,8% seguro contra acidente e mais o percentual de 3,2% destinado ao pagamento da indenização compensatória da perda do emprego, sem justa causa ou por culpa do empregador. Neste último caso, cumpre esclarecer, nas hipóteses de dispensa por justa causa ou a pedido, de término do contrato de trabalho por prazo determinado, de aposentadoria e de falecimento do empregado doméstico, os valores previstos no caput serão movimentados (levantados) pelo empregador. Na hipótese de culpa recíproca, metade dos valores previstos no caput será movimentada pelo empregado, enquanto a outra metade será movimentada pelo empregador. 

     Também o empregador deverá reter e recolher percentual relativo ao Imposto de Renda caso a remuneração possa ser alcançada por tal tributo. 

      O empregador, a propósito do tema, poderá deduzir de seu imposto de renda, o percentual patronal recolhido como contribuição previdenciária do empregado doméstico. No mais, embora o Simples doméstico ainda deva ser regulamentado no prazo de 120 (cento e vinte) dias a contar da data de entrada em vigor da lei sob comento, as alíquotas acima mencionada já devem ser recolhidas a parir da publicação da lei.
   
    Entretanto, em se tratando de FGTS, o empregador doméstico somente passará a ter obrigação de promover a inscrição e de efetuar os recolhimentos referentes a seu empregado após a entrada em vigor de regulamento a ser editado pelo Conselho Curador e pelo agente operador do FGTS, inclusive no que tange aos aspectos técnicos de depósitos, saques, devolução de valores e emissão de extratos, entre outros determinados na forma da lei (art. 21 da LC nº 150).
   
      Nesse caso, é preciso atenção pois já há sinalização de que o Conselho Curador do FGTS se reunirá para regulamentar o tema.

      Contrato de trabalho do empregado doméstico

O contrato do trabalhador doméstico, como qualquer outro contrato de trabalho, poderá ser escrito ou verbal, expresso ou tácito. Mesmo na modalidade escrita não tem forma definida.

    O contrato de trabalho do empregado doméstico, como regra, será estabelecido por tempo indeterminado. Contudo a Lei Complementar nº 150 permite que seja realizado por tempo determinado em duas hipóteses:

   a) mediante contrato de experiência; O contrato de experiência não poderá exceder 90 (noventa) dias. O contrato de experiência poderá ser prorrogado 1 (uma) vez, desde que a soma dos 2 (dois) períodos não ultrapasse 90 (noventa) dias. § 2o  O contrato de experiência que, havendo continuidade do serviço, não for prorrogado após o decurso de seu prazo previamente estabelecido ou que ultrapassar o período de 90 (noventa) dias passará a vigorar como contrato de trabalho por prazo indeterminado. 

    b) para atender necessidades familiares de natureza transitória e para substituição temporária de empregado doméstico com contrato de trabalho interrompido ou suspenso. Neste caso, a duração do contrato de trabalho é limitada ao término do evento que motivou a contratação, obedecido o limite máximo de 2 (dois) anos. 

        Em ambas as hipóteses, durante sua vigência o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado é obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, metade da remuneração a que teria direito até o termo do contrato. 

      Por sua vez, o empregado, durante a vigência dos contratos por tempo determinado, não poderá se desligar do contrato sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem, mas tal indenização não poderá exceder aquela a que teria direito o empregado em idênticas condições. 

      Por fim, esclareça, que, por óbvio, durante a vigência dos contratos por tempo determinado acima referidos não será exigido aviso prévio. 
Parcelas que não integram a remuneração, que se sujeitam a descontos, usucapião e livro de ponto

O empregador doméstico não poderá efetuar descontos no salário do empregado por fornecimento de alimentação, vestuário, higiene ou moradia, bem como por despesas com transporte, hospedagem e alimentação em caso de acompanhamento em viagem. Nesse caso, tais despesas não têm natureza salarial e não se incorporam à remuneração para quaisquer efeitos.

     No entanto, será facultado ao empregador efetuar descontos no salário do empregado em caso de adiantamento salarial e, mediante acordo escrito entre as partes, para a inclusão do empregado em planos de assistência médico-hospitalar e odontológica, de seguro e de previdência privada, não podendo a dedução ultrapassar 20% (vinte por cento) do salário. 

       Também poderão ser descontadas as despesas com moradia quando essas se referirem a local diverso da residência em que ocorrer a prestação de serviço, desde que essa possibilidade tenha sido expressamente acordada entre as partes. 

     O fornecimento de moradia ao empregado doméstico na própria residência ou em morada anexa, de qualquer natureza, não gera ao empregado qualquer direito de posse ou de propriedade sobre a referida moradia (com isso a própria lei afasta a possibilidade de que o empregado adquira o imóvel que ocupa por usucapião. 

    Por último, é obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo.Nesse particular, o empregador necessitará ter em mente que a não apresentação injustificada dos controles de freqüência poderá fazer incidir a orientação jurisprudencial contida na Súmula 338 do TST quando enuncia que a negligência à determinação legal nesse sentido gerará presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho alegada (que pode ser elidida por prova em contrário).
    
    Da mesma súmula, convém manter também à vista o entendimento no sentido de que os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. Ou seja, o empregado deve registrar no controle de freqüência a hora e os minutos em que iniciou, interrompeu, ou encerrou sua jornada de trabalho.

     Empregado em viagem com o empregador

      Em relação ao empregado responsável por acompanhar o empregador prestando serviços em viagem, serão consideradas apenas as horas efetivamente trabalhadas no período, podendo ser compensadas as horas extraordinárias em outro dia.

     Contudo, o acompanhamento do empregador pelo empregado em viagem será condicionado à prévia existência de acordo escrito entre as partes. 

      A remuneração-hora do serviço em viagem será, no mínimo, 25% (vinte e cinco por cento) superior ao valor do salário-hora normal, mas tal acréscimo poderá ser, mediante acordo, convertido em acréscimo no banco de horas, a ser utilizado a critério do empregado. 

     Direitos regulamentados com a Lei Complementar nº 150

   a) relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
    b) seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
    c) fundo de garantia do tempo de serviço;
    d) remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
    e) salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; 
    f) assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas;  
    g) seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;