O
jurista e filósofo estadunidense Roscoe Pound ensinava que “o direito deve ser
estável, no entanto, não pode ser estático.”
Essa frase parece encaixar-se como uma luva àquela que materializará a mudança mais significativa de tudo o quanto cuidou o novo Código de Processo Civil.
O novo Código de Processo Civil (lei nº 13.105, de
2015), em seu art. 927, I e II, determina a juízes e aos tribunais a
observância das decisões do Supremo Tribunal
Federal em controle concentrado de constitucionalidade e os enunciados
de súmula vinculante.
Até aqui nada de novo
porquanto, nesse caso, já há no ordenamento a previsão de reclamação
constitucional quando
juízes ou tribunais (ou mesmo órgãos administrativos), em relação às decisões
do STF em controle concentrado (ações diretas e ADPFs):
a) usurpem a competência do STF;
b) desrespeitem ou descumpram as referidas decisões;
c) não aceitem a autoridade das súmulas vinculantes.
A Reclamação, relembre-se, está prevista no
texto constitucional (artigo 102, inciso I, alínea “i”) e deve ser ajuizada
diretamente junto ao STF.
De outro modo, contudo, quando o mesmo artigo 927, nos
incisos III, IV, e V, do novo Código de Processo Civil impõe aos juízes e aos
tribunais a observância de precedentes originados no controle difuso (caso
concreto e inter partes), fora de dúvida, emerge para o mundo jurídico algo de muito novo e
que, certamente, suscitará intensos debates na comunidade jurídica.
Eis que as referidas
disposições obrigam juízes e tribunais à observância de:
a)
acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas
repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos
(STF e STJ, respectivamente);
b)
enunciados das súmulas do STF (não vinculantes ou persuasivas) em matéria
constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria
infraconstitucional;
c) da orientação
do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados os juízos.
Em tais casos, para
deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado
pela parte, deverá o julgador demonstrar:
a) a existência de
distinção no caso em julgamento ou;
b) a superação do
entendimento.
Assim, sem embargo de que integre o sistema jurídico
romano-germânico (civil law), o
ordenamento processual brasileiro parece perfilhar parcialmente a chamada
teoria do stare decisis, que como se sabe advém da expressão latina stare decisis
et non quieta movere (mantenha-se a decisão e não se
modifique o que foi decidido), modelo que alcança sua maior expressão nos
Estados Unidos, país que adota o sistema do common
law.[1]
Tais disposições, conforme inspiradas no referido
sistema common Law, materializam o distinguishing (quando ocorre distinção entre o caso em
julgamento e o precedente-paradigma), e o overruling
(técnica na qual
se reconhece em um precedente a perda de sua força vinculante e assim pode
ser substituído).[2]
No primeiro caso (a existência de distinção no caso
em julgamento), aplicar-se-ia o chamado stare
decisis vertical (binding effect): a ratio
decidendi firmada no precedente será de observância obrigatória pelos
tribunais hierarquicamente inferiores.
Na
segunda hipótese (a superação do entendimento),
em muito se assemelha o stare decisis horizontal: a ratio decidendi firmada no
precedente será de observância obrigatória pelo tribunal que a
formulou, ou seja, o tribunal deve obediência aos seus próprios
precedentes.
Desse modo, quer nos parecer,
definitivamente, instalou-se o sistema de precedentes no ordenamento jurídico
pátrio.
Nesse sentido, a nova
sistemática inaugurada pelo Código de Processo Civil busca ainda a aplicação dos
princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia (que é
a feição horizontal do stare decisis)
e ambiciona alcançar todos os juízos e tribunais, inclusive o próprio Supremo Tribunal
Federal (em recursos extraordinários repetitivos).
Tais mandamentos estão presentes na redação
do § 4º do art. 927, do novo CPC. Senão, vejamos:
“§ 4o A modificação de enunciado de súmula, de
jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos
observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os
princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.”
Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal e ex-Analista
[1] No
direito estadunidense a decisão proferida pela Suprema Corte é obrigatória
para todos os juízes e tribunais, e, portanto, a declaração de
inconstitucionalidade em um caso concreto traz como consequência a não
aplicação daquela lei a qualquer outra situação, porque todos os tribunais
estarão subordinados à tese jurídica estabelecida. De modo que a decisão, não
obstante referir-se a um litígio específico, produz efeitos gerais,
em face de todos (erga omnes). (BARROSO, 2012, p. 71).
[2]
Conforme disposições contidas
nos artigos. 489, § 1º, combinado
com o artigo 927, § 1º, do novo Código de Processo Civil.
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