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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Comentários às (novas) Emendas Constitucionais nº 89 e 90, de setembro de 2015.


Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal, ex- Analista e ex-Advogado de Militância Privada.


Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume I - Airton Portela
Os direitos sociais integram grupo que a doutrina denomina segunda geração de direitos (ou dimensão de direitos). Assim como os direitos individuais, os direitos sociais são espécie do gênero[1] direitos fundamentais. Todavia, enquanto estes tutelam um não agir, um dever de abstenção, de respeito às liberdades, aqueles impõem, ao Estado e à sociedade, um agir no sentido de suprir as necessidades básicas dos indivíduos. 

Os direitos sociais podem ser divididos em dois grupos: um dirigido a todo brasileiro ou estrangeiro[2] alcançável pela ordem jurídico-constitucional brasileira (residente ou que tenha algum interesse juridicamente protegido tais como a propriedade, sucessão etc.) e outro específico dirigido aos trabalhadores urbanos e rurais.

Do primeiro grupo, e que nesta assentada nos interessa, emergem o direito à educação, à saúde, à alimentação, ao trabalho, à moradia, ao lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à maternidade e à infância e à assistência aos desamparados (CF, art. 6º). Além destes, a Constituição, noutras disposições, prevê o direito de acesso às fontes de cultura (CF, art. 215), direito de acesso à ciência, ou seja, acesso às inovações tecnológicas que proporcionem bem-estar (CF, art. 23, V), direito à prática do desporto (CF, art. 217) e direito ao lazer (CF, art. 217, §, 3º).

Nesse contexto, a Emenda Constitucional nº 90, de 15 de setembro de 2015, conferiu nova redação ao art. 6º da Constituição Federal, para introduzir o transporte como direito social.

Confira-se a nova redação.

"Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

O direito social ao transporte, evidentemente, não garante o transporte gratuito e universal a todos os residentes no Brasil. Tampouco refere-se apenas ao transporte público.

O que o direito ao transporte tem em mira é a garantia de que a locomoção e a circulação pessoas com seus bens, respeitados quando for o caso a reserva do possível, não será obstada pela falta investimentos públicos ou privados.

Assim, por exemplo, se os alunos de determinada localidade interiorana estiverem impedidos de frequentar a escola por falta de meios de transporte ou mesmo pela inexistência ou precariedade de estradas, não há como recusar a ideia de que o Estado, ante a nova redação do art. 6º da CF, esteja vinculado à obrigação de conferir efetividade ao multicitado direito ao transporte. Contudo, o tema direito fundamental ao transporte ainda deverá merecer muitas reflexões acerca de seu alcance.
  

A Emenda Constitucional nº 89, de 15 de setembro de 2015 deu nova

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O cômputo de prazos no NCPC e o seu desserviço à duração razoável do processo






Francisco Glauber Pessoa Alves
Juiz Federal na Seção Judiciária do Rio Grande do Norte
Doutor em Processo Civil pela PUC/SP
Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual
Ex-Presidente da Associação dos Juízes Federais da 5ª. Região (REJUFE)


Está programada para março de 2016 a vigência da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, já fortemente conhecida como Novo Código de Processo Civil (NCPC), em substituição à Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973, o Código de Processo Civil (CPC). O NCPC tem assumidamente alguns objetivos, externados pela Comissão de Juristas, instituída pelo Ato n. 379, de 30.09.2009, do Presidente do Senado Federal, sob a Presidência do Min. Luiz Fux, do STF, do qual destacamos o estabelecimento de sintonia fina com a Constituição Federal, incluindo-se, expressamente, princípios constitucionais (razoável duração do processo, devido processo legal etc.), na sua versão processual.

STF - Os elementos formadores dos direitos políticos (jus sufragius, jus honorum e participaçao direta) são inerentes às pessoas físicas (portanto, doações de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais são inconstitucionais)



Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal, ex- Analista e ex-Advogado de Militância Privada.


O Plenário do STF julgou inconstitucionais as previsões legais de contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais. Nesse sentido, por maioria, em ação direta (ADI 4650/DF, rel. Min. Luiz Fux, 16 e 17.9.2015), declarou inconstitucionais os artigos 23, §1º, I e II; 24; e 81, “caput” e § 1º, da Lei 9.504/1997 (Lei das Eleições), no ponto em que cuidam de doações por pessoas jurídicas.


O Pretório Excelso também declarou a inconstitucionalidade dos artigos 31; 38, III; 39, “caput” e § 5º, da Lei 9.096/1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos), que regulam a forma e os limites em que serão efetivadas as doações aos partidos políticos, exclusivamente no que diz respeito às doações feitas por pessoas jurídicas.


O STF fixou que o modelo de autorização de doações em campanhas eleitorais por pessoa jurídica não se mostra adequado ao regime democrático em geral e à cidadania, em particular. Observou que o exercício de cidadania, em sentido estrito, pressupõe três modalidades de atuação física:



a) o “jus sufragius” - o direito de votar;


b) “jus honorum”, o direito de ser votado;



De mais a mais, acrescentou mais um elemento ao que sua jurisprudência já considerava da essência dos direitos políticos:


c) o direito de influir na formação da vontade política por meio de instrumentos de democracia direta como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular de leis.


O Supremo Tribunal Federal enfatizou que tais elementos dos direitos políticos são inerentes às pessoas naturais e, por isso, o desarrazoado de sua extensão às pessoas jurídicas, ancorando tais afirmações nos seguintes argumentos:


a) A participação de pessoas jurídicas apenas encareceria o processo eleitoral sem oferecer, como contrapartida, a melhora e o aperfeiçoamento do debate;


b) O aumento dos custos de campanhas não corresponderia ao aprimoramento do processo político, com a pretendida veiculação de ideias e de projetos pelos candidatos. Ao contrário, os candidatos que tivessem despendido maiores recursos em suas campanhas possuiriam maior êxito nas eleições.


c) A exclusão das doações por pessoas jurídicas não teria efeito adverso sobre a arrecadação dos fundos por parte dos candidatos aos cargos políticos, pois todos os partidos políticos teriam acesso ao fundo partidário e à propaganda eleitoral gratuita nos veículos de comunicação, a proporcionar aos candidatos e as suas legendas, meios suficientes para promoverem suas campanhas.


d) O princípio da liberdade de expressão, no aspecto político, tem como finalidade estimular a ampliação do debate público, a permitir que os indivíduos conhecessem diferentes plataformas e projetos políticos;


e) A excessiva participação do poder econômico no processo político desequilibra a competição eleitoral, a igualdade política entre candidatos, de modo a repercutir na formação do quadro representativo. Assim, em um ambiente cujo êxito dependesse mais dos recursos despendidos em campanhas do que das plataformas políticas, é de se presumir que considerável parcela da população fique desestimulada a disputar os pleitos eleitorais.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

STF: após cinco anos do cumprimento (ou extinção da pena), a condenação não serve para efeitos de maus antecedentes.



Manual de Direito Constitucional, volumes I e II, Airton Portela

A segunda Turma do STF do STF (no HC 126315/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 15.9.2015) decidiu que as condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não poderão ser caracterizadas como maus antecedentes para efeito de fixação da pena.

O referido entendimento foi fixado com base nas disposições contidas no art. 64, I, do CP que exclui da reincidência a condenação cuja pena tenha sido cumprida ou extinta há mais. Confira-se o dispositivo do Código Penal;
“Para efeito de reincidência: I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação”.

A Segunda Turma do STF afirmou que o chamado período depurador referido (repise-se, de cinco anos após o cumprimento ou extinção da pena) tem a aptidão de nulificar a reincidência, de forma que não poderia mais influenciar no “quantum” de pena do réu e em nenhum de seus desdobramentos, porquanto a referido benefício tem o escopo de apagar da vida do indivíduo os erros do passado e permitir a aplicação da ressocialização como propósito da pena da pena. 

De resto, a Constituição Federal veda expressamente, na alínea b do inciso XLVII do art. 5º, as penas de caráter perpétuo e, em assim sendo, se o objetivo primordial do período depurador é o de se afastar a pena perpétua, reintegrando o apenado no seio da sociedade, com maior razão dever-se-ia aplicar esse raciocínio aos maus antecedentes. De mais a mais, o agravamento da pena-base com fundamento em condenações transitadas em julgado há mais de cinco anos não encontra previsão na legislação pátria, tampouco na Constituição, mas se trataria de uma analogia “in malam partem”, método de integração vedado em nosso ordenamento.

Em outros termos, após o período depurador, o órgão judiciário, ao fixar a pena, além de não poder utilizar a condenação (que teve a pena cumprida ou extinta) como reincidência (CP. art. 61, I, segunda fase da dosimetria), não poderá utilizá-la (não obstante a condenação transitada em julgado) para efeitos de aplicação da pena-base (circunstâncias judiciais), na forma de maus antecedentes.

Por  Airton Portela, Professor e Juiz Federal, ex-Procurador Federal, ex-Advogado da União, ex-Analista, ex-Advogado de Militância Privada.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

STF, STJ, Corte Europeia: casos Xuxa, Chacina da Candelária, Lebach, González e o Direito ao Esquecimento.


Por Airton Portela, Professor e Juiz Federal, ex Analista, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal e ex Advogado de Militância Privada.


Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume I- Airton Portela

 

 1- O DIREITO AO ESQUECIMENTO.


No final de seu mandato, o então Presidente da República João Figueiredo, antevendo a redemocratização como inevitável, manifestou o seu desejo de deixar a vida pública com a seguinte frase: “quero que me esqueçam”. 

De certa forma isso se concretizou, pois, como se sabe, do término do seu mandato até sua morte, nada de relevante se noticiou sobre a vida do ex-Presidente, por certo que, tendo abandonado a vida pública, seu quotidiano, como o de qualquer brasileiro comum, não despertaria interesse no grande público.

No entanto, conquanto, possivelmente, aspirasse que também sua vida pública fosse excluída da lembrança nacional, neste particular, o “direito ao esquecimento” (pois disso já se cogitava mundo afora, como veremos mais à frente) não poderia acorrê-lo. Vejamos os “porquês”.

1.1 – PRIMEIROS GRANDES DEBATES SOBRE DIREITO AO ESQUECIMENTO NA EUROPA E NO BRASIL.

Com base nos direitos à privacidade, à honra, à imagem e à intimidade, na Europa e até mesmo no Brasil, tem-se admitido a existência de um “direito fundamental ao esquecimento”.

O debate acerca deste tema iniciou na Alemanha quando um dos condenados por crime de homicídio contra quatro soldados do Exército daquele País, prestes a ser libertado após cumprimento da pena que lhe foi aplicada, ajuizou ação para impedir a veiculação de documentário sobre o delito e o Tribunal Constitucional Federal Alemão, em julgamento que ficou conhecido como caso Lebach,[i] conferiu-lhe a proteção pretendida com base no referido direito.

No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.334.097,  reconhecendo a existência do direito ao esquecimento, proibiu que certo programa de televisão exibisse nome e imagens de um acusado que fora absolvido em processo conhecido como “Chacina da Candelária”.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Direito Fundamental à Liberdade de Expressão: no Brasil o seu exercício é pleno?


Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume I - Airton Portela


Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex- Procurador Federal, ex-Advogado da União, ex-Analista e ex-Advogado de Militância Privada.
 

1- Primeiras considerações sobre a liberdade de expressão.



Anteparo de todas as demais liberdades, o direito à liberdade de expressão é gênero do qual são espécies as liberdades de comunicação, ou seja, a liberdade de imprensa, a liberdade de manifestação do pensamento e o direito de acesso à informação.

A liberdade de expressão, apoiada pelo direito de reunião, de proibição à censura e também plasmada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (dos quais o Brasil é signatário), atua assegurando o direito de informar, de ser informado, de criticar, de buscar, de receber e de divulgar informações e ideias e sua principal missão consiste em evitar pontos de vista hegemônicos ou únicos, bons ou ruins, politicamente corretos ou incorretos, provindos que sejam do Estado, da imprensa, da igreja, de partidos, de instituições de ensino e pesquisa, de historiadores, sociólogos, cientistas, cidadãos, entre outros.

Assim sendo, a liberdade de expressão é quem sustenta a pluralidade  e a convivência de ideias, por vezes opostas entre si, a tolerância para com quaisquer opiniões e a noção de que, em um ambiente democrático pleno, mesmo o intolerante há de ser tolerado.  

Contudo, no Brasil, a amplitude que se tem conferido à liberdade de expressão, mais caro instrumento assegurador dos apanágios da democracia, bem distante do alcance à larga que se lhe atribui em Países mais desenvolvidos, entre nós tem assumido compleição cada vez mais restritiva, e disso tem-se que embora nos pareça exagerado atribuir a tal compreensão a pecha de tíbia, no mínimo cabe-lhe ser classificada como tímida e insuficiente, conforme abaixo descortinamos.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

IMPEACHMENT: entenda o processo de responsabilização do Presidente da República.

O texto a seguir foi extraido da obra Manual de Direito Constitucional, volume II, de autoria do Juiz Federal e Professor Airton Portela (resguarde-se direitos autorais).
 




O Presidente da República detém a chamada imunidade temporária à persecução em juízo. 


Com efeito, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções ou cometidos anteriormente ao início de seu mandato (CF, art. 86, § 4º). Enquanto não cesse a investidura na presidência somente poderá ser processado por situações extrapenais, ou seja, que lhe imputem responsabilidade civil, administrativa ou tributária.

Entretanto, o Presidente da República, no âmbito penal, está sujeito a apenamento pelo cometimento de crimes comuns – desde que relacionados ao exercício de suas funções –, e de responsabilidade quando pratique atos que atentem contra a Constituição Federal (CF, art. 85), mais exatamente contra:

a) a existência da União;

b) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

c) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

d) a segurança interna do país;

e) a probidade na administração;

f) a lei orçamentária;

g) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Contudo, a simples previsão das condutas na Constituição não é suficiente para a responsabilização criminal do Presidente da República, já que a tipificação de qualquer crime deve ser feita pelo instrumento normativo adequado, que é a lei infraconstitucional. Por isso é que a própria Carta Política preceitua que “esses crimes serão definidos em lei especial, que deve ainda estabelecer as normas de processo e julgamento.”

Com efeito, a Lei nº 1.079/50, naquilo que se compatibiliza com a Constituição de 1988 (em grande parte é compatível),[3] é quem define crimes, fixa sanções, processo e procedimento para responsabilização do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República.

O processo transcorre da seguinte forma:

Nos crimes comuns imputados ao Presidente da República a denúncia será oferecida pelo Procurador-Geral da República e o processamento e julgamento caberá ao Supremo Tribunal Federal. Nos crimes de responsabilidade a denúncia poderá ser formulada por qualquer cidadão, desde que no gozo de seus direitos políticos.

Em qualquer caso, porém, a Câmara dos Deputados deve autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República (art. 51, I), o Vice-Presidente (e os Ministros de Estado quando conexos com crimes cometidos pelo Presidente da República), por dois terços de seus membros (CF, art. 86).[4]  

Segundo entendimento majoritário manifestado pela doutrina, a referida admissibilidade realizada pela Câmara dos Deputados obriga o Senado Federal a instaurar o processo por crime de responsabilidade. Todavia, registramos nossas reservas em relação a essa posição por entendermos que aquela Casa do Congresso Nacional não recebeu autorização constitucional para subordinar a sua congênere. 
 
Nos crimes de responsabilidade, a denúncia, como se viu, manuseada por qualquer cidadão, será dirigida à Câmara dos Deputados, que examinará a admissibilidade da acusação oferecida contra o Presidente da República (CF, art. 86, caput), podendo, portanto, rejeitar a denúncia oferecida na forma do art. 14 da Lei nº 1.079/50. 

Nesse caso, o Presidente da Câmara, em exame preliminar, pode rejeitá-la de forma imediata, desde que verifique ausência de formalidades extrínsecas, ilegitimidade de denunciante e denunciado ou quando seja inepta ou despida de justa causa, contudo não se afastando a possibilidade de que, por meio de recurso, tal decisão seja analisada pela pelo plenário da Casa.[5] 

Esclareça-se, contudo, que a jurisprudência mais recente do STF entende que o cidadão denunciante não tem direito ao manuseio de recurso, por falta de previsão legal (Lei nº 1.079/50),[6] ainda que não se possa afastar a possibilidade de que Deputado faça uso de tal direito, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Cumpre esclarecer que no procedimento de admissibilidade da denúncia, embora a Câmara dos Deputados profira juízo político, segundo a jurisprudência do STF, o acusado tem direito a prazo para defesa, em observância ao contraditório e ampla defesa, insculpido no art. 5º, LV, da CF.[7]
Uma vez recebida a denúncia pela Câmara dos Deputados, caberá ao Senado processar e julgar o Presidente da República, nos crimes de responsabilidade e[8] ao Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns.

Em tais processos, em que a convenção doutrinária denomina impeachment, o Presidente da República ficará suspenso de suas funções, não pela simples autorização para processamento levada a efeito pela Câmara dos Deputados, mas ao ser recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou após a instauração do processo pelo Senado Federal, no caso de crimes de responsabilidade (CF, art. 86, § 1º, I e II).[9]

No julgamento dos crimes de responsabilidade, o Presidente do Supremo Tribunal Federal funcionará como Presidente de um Tribunal Político, uma Corte sui generis em que se converte o Senado Federal,[10] exercendo “função judicialiforme”[11] em processo é político-penal,[12] a quem cabe processar e julgar não só os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente e pelo Vice-Presidente da República, como também os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, mas também, em delitos dessa natureza, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União (CF, art. 52, I e II).

Em todos os casos as sanções decorrentes da condenação por crimes de responsabilidades, proferida por dois terços dos votos do Senado, limita-se à condenação à perda do cargo e inabilitação por oito anos para o exercício de função pública (CF, art. 52, parágrafo único, primeira parte).

Contudo, se o julgamento não estiver concluído no prazo de cento e oitenta dias, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo (CF, art. 86, § 2º).

No mais, caso a conduta definida como crime de responsabilidade também seja tipificada como crime, comum os agentes políticos acima referidos também por tal delito responderão (CF, art. 52, parágrafo único, segunda parte).

Cumpre ainda anotar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se nos sentido de que a imputabilidade, por crimes de responsabilidade, cessa quando o dignitário deixa de ocupar o cargo (Presidente, Governador, Ministros, Secretários de Estado, Chefes de Missão Diplomática etc.).[13] No entanto, a Corte Suprema entende que o mesmo não ocorre em relação aos Prefeitos, que continuam a responder por crimes de responsabilidade mesmo após deixarem o cargo.[14] [15]

Por último, assente-se que a renúncia do dignitário ao cargo, quando já iniciado o processo de Impeachment, não impede a continuação do julgamento por crime de responsabilidade.[16]


Qual a natureza jurídica dos crimes de responsabilidade? O seu mérito pode ser examinado pelo Poder Judiciário?

Os crimes de responsabilidade têm natureza jurídica de infrações político-administrativas ou ilícito político-administrativo, entretanto é matéria tratada pelo direito penal é por isso somente a União detém competência para sua definição e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento (STF, súmula nº 722).

No julgamento do processo de impeachment o Poder Judiciário não pode examinar o seu mérito e sua conveniência, “sob pena de substituir-se ao Legislativo na análise eminentemente política” das questões ali tratadas.[17]



[1]
[2].      (Inq 672-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-1992, Plenário, DJ de 16-4-1993).

[3].      STF (MS 21.564-DF). (MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993).

[4].      CF, art. 86: “Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.”

[5].      STF (MS 20.941-DF, Sepúlveda Pertence, DJ de 31-8-1992).

[6].      STF – “Oferecimento de denúncia por qualquer cidadão imputando crime de responsabilidade ao Presidente da República (...). Impossibilidade de interposição de recurso contra decisão que negou seguimento à denúncia. Ausência de previsão legal (Lei 1.079/1950). A interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados constituem matéria interna corporis, insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário.” (MS 26.062-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10-3-2008, Plenário, DJE de 4-4-2008.) No mesmo sentido: MS 25.588-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 2-4-2009, Plenário, DJE de 8-5-2009.

[7].      STF – O impeachment e o due process of law: a aplicabilidade deste no processo de impeachment, observadas as disposições específicas inscritas na Constituição e na lei e a natureza do processo, ou o cunho político do Juízo. CF, art. 85, parágrafo único. Lei 1.079, de 1950, recepcionada, em grande parte, pela CF/1988 (MS 21.564-DF). (MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993).

[8].      STF (MS 21.564, Rel. p/ o ac. Min. Carlos Velloso, julgamento em 23-9-1992, Plenário, DJ de 27-8-1993).

[9].      STF (...) A renúncia ao cargo, apresentada na sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de impeachment. Os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37). (MS 21.689, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-1993, Plenário, DJ de 7-4-1995).

[10].     STF (MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993).

[11] STF(MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993.).

[12] Idem.
[13].     STF – Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado (ADI 2.797 e ADI 2.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-9-2005, Plenário, DJ de 19-12-2006).

[14].     STF – Apresentada a denúncia, estando o Prefeito no exercício do cargo, prosseguirá a ação penal, mesmo após o término do mandato, ou deixando o Prefeito, por qualquer motivo, o exercício do cargo. Mandado de segurança indeferido (MS 21.689, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-1993, Plenário, DJ de 7-4-1995).

[15].     Súmula 703 do STF: “A extinção do mandato não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.

[16].     STF (MS 21.689-1, rel. Min. Carlos Velloso, julg. 26/12/1993).

[17].     STF (MS 30.672-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 15-9-2011, Plenário, DJE de 18-10-2011). Vide: MS 23.885, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 28-8-2002, Plenário, DJ de 20-9-2002.