O texto a seguir foi extraido da obra Manual de Direito Constitucional, volume II, de autoria do Juiz Federal e Professor Airton Portela (resguarde-se direitos autorais).
O Presidente da República detém a
chamada imunidade temporária à persecução em juízo.
Com efeito, na vigência de
seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de
suas funções ou cometidos anteriormente ao início de seu mandato (CF, art. 86,
§ 4º). Enquanto não cesse a investidura na presidência somente poderá ser
processado por situações extrapenais, ou seja, que lhe imputem responsabilidade
civil, administrativa ou tributária.
Entretanto, o Presidente da
República, no âmbito penal, está sujeito a apenamento pelo cometimento de
crimes comuns – desde que relacionados ao exercício de suas funções –, e de
responsabilidade quando pratique atos que atentem contra a Constituição Federal
(CF, art. 85), mais exatamente contra:
a) a existência da União;
b) o livre exercício do
Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação;
c) o exercício dos direitos
políticos, individuais e sociais;
d) a segurança interna do
país;
e) a probidade na
administração;
f) a lei orçamentária;
g) o cumprimento das leis e
das decisões judiciais.
Contudo, a simples previsão das
condutas na Constituição não é suficiente para a responsabilização criminal do
Presidente da República, já que a tipificação de qualquer crime deve ser feita
pelo instrumento normativo adequado, que é a lei infraconstitucional. Por isso
é que a própria Carta Política preceitua que “esses crimes serão definidos em
lei especial, que deve ainda estabelecer as normas de processo e julgamento.”
Com efeito, a Lei nº 1.079/50,
naquilo que se compatibiliza com a Constituição de 1988 (em grande parte é
compatível),[3]
é quem define crimes, fixa sanções, processo e procedimento para
responsabilização do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos
Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República.
O processo transcorre da seguinte
forma:
Nos crimes comuns imputados ao
Presidente da República a denúncia será oferecida pelo Procurador-Geral da
República e o processamento e julgamento caberá ao Supremo Tribunal Federal.
Nos crimes de responsabilidade a denúncia poderá ser formulada por qualquer
cidadão, desde que no gozo de seus direitos políticos.
Em qualquer caso, porém, a Câmara
dos Deputados deve autorizar a instauração de processo contra o Presidente da
República (art. 51, I), o Vice-Presidente (e os Ministros de Estado quando
conexos com crimes cometidos pelo Presidente da República), por dois terços de
seus membros (CF, art. 86).[4]
Segundo entendimento majoritário manifestado pela doutrina, a referida
admissibilidade realizada pela Câmara dos Deputados obriga o Senado Federal a
instaurar o processo por crime de responsabilidade. Todavia, registramos nossas
reservas em relação a essa posição por entendermos que aquela Casa do Congresso
Nacional não recebeu autorização constitucional para subordinar a sua congênere.
Nos crimes de responsabilidade, a
denúncia, como se viu, manuseada por qualquer cidadão, será dirigida à Câmara
dos Deputados, que examinará a admissibilidade da acusação oferecida contra o
Presidente da República (CF, art. 86, caput), podendo, portanto,
rejeitar a denúncia oferecida na forma do art. 14 da Lei nº 1.079/50.
Nesse
caso, o Presidente da Câmara, em exame preliminar, pode rejeitá-la de forma
imediata, desde que verifique ausência de formalidades extrínsecas,
ilegitimidade de denunciante e denunciado ou quando seja inepta ou despida de
justa causa, contudo não se afastando a possibilidade de que, por meio de
recurso, tal decisão seja analisada pela pelo plenário da Casa.[5]
Esclareça-se, contudo, que a jurisprudência mais recente do STF entende que o
cidadão denunciante não tem direito ao manuseio de recurso, por falta de
previsão legal (Lei nº 1.079/50),[6]
ainda que não se possa afastar a possibilidade de que Deputado faça uso de tal
direito, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
Cumpre esclarecer que no
procedimento de admissibilidade da denúncia, embora a Câmara dos Deputados
profira juízo político, segundo a jurisprudência do STF, o acusado tem direito
a prazo para defesa, em observância ao contraditório e ampla defesa, insculpido
no art. 5º, LV, da CF.[7]
Uma vez recebida a denúncia
pela Câmara dos Deputados, caberá ao Senado processar e julgar o Presidente da
República, nos crimes de responsabilidade e[8] ao
Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns.
Em tais processos, em que a
convenção doutrinária denomina impeachment,
o Presidente da República ficará suspenso de suas funções, não pela simples
autorização para processamento levada a efeito pela Câmara dos Deputados, mas
ao ser recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal, nas
infrações penais comuns, ou após a instauração do processo pelo Senado Federal,
no caso de crimes de responsabilidade (CF, art. 86, § 1º, I e II).[9]
No julgamento dos crimes de
responsabilidade, o Presidente do Supremo Tribunal Federal funcionará como
Presidente de um Tribunal Político, uma Corte sui generis em que se converte
o Senado Federal,[10]
exercendo
“função judicialiforme” em processo é
político-penal, a quem cabe processar e julgar não só os crimes de
responsabilidade cometidos pelo Presidente e pelo Vice-Presidente da República,
como também os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e
da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, mas também, em
delitos dessa natureza, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do
Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o
Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União (CF, art. 52, I e
II).
Em todos os casos as sanções
decorrentes da condenação por crimes de responsabilidades, proferida por dois
terços dos votos do Senado, limita-se à condenação à perda do cargo e
inabilitação por oito anos para o exercício de função pública (CF, art. 52,
parágrafo único, primeira parte).
Contudo, se o julgamento não
estiver concluído no prazo de cento e oitenta dias, cessará o afastamento do
Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo (CF, art. 86, §
2º).
No mais, caso a conduta definida
como crime de responsabilidade também seja tipificada como crime, comum os
agentes políticos acima referidos também por tal delito responderão (CF, art.
52, parágrafo único, segunda parte).
Cumpre ainda anotar que a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se nos sentido de que a
imputabilidade, por crimes de responsabilidade, cessa quando o dignitário deixa
de ocupar o cargo (Presidente, Governador, Ministros, Secretários de Estado,
Chefes de Missão Diplomática etc.).[13] No
entanto, a Corte Suprema entende que o mesmo não ocorre em relação aos Prefeitos,
que continuam a responder por crimes de responsabilidade mesmo após deixarem o
cargo.[14]
[15]
Por último, assente-se que a
renúncia do dignitário ao cargo, quando já iniciado o processo de Impeachment, não
impede a continuação do julgamento por crime de responsabilidade.[16]
Qual a natureza jurídica dos crimes
de responsabilidade? O seu mérito pode ser examinado pelo Poder Judiciário?
Os crimes de responsabilidade
têm natureza jurídica de infrações político-administrativas ou ilícito
político-administrativo, entretanto é matéria tratada pelo direito penal é por
isso somente a União detém competência para sua definição e o estabelecimento
das respectivas normas de processo e julgamento (STF, súmula nº 722).
No julgamento do processo de
impeachment o
Poder Judiciário não pode examinar o seu mérito e sua conveniência, “sob pena
de substituir-se ao Legislativo na análise eminentemente política” das questões
ali tratadas.[17]
STF(MS 21.623,
Rel. Min. Carlos Velloso,
julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de
28-5-1993.).