Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume I - Airton Portela |
Airton
Portela, Juiz Federal e Professor, ex- Procurador Federal,
ex-Advogado da União, ex-Analista e ex-Advogado de Militância Privada.
1- Primeiras considerações sobre a liberdade de expressão.
Anteparo de todas
as demais liberdades, o direito à liberdade de expressão é gênero do qual são
espécies as liberdades de comunicação, ou seja, a liberdade de imprensa, a liberdade
de manifestação do pensamento e o direito de acesso à informação.
A liberdade de
expressão, apoiada pelo direito de reunião, de proibição à censura e também plasmada
na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (dos quais o Brasil é signatário), atua assegurando
o direito de informar, de ser informado, de criticar, de buscar, de receber e de
divulgar informações e ideias e sua principal missão consiste em evitar pontos
de vista hegemônicos ou únicos, bons ou ruins, politicamente corretos ou
incorretos, provindos que sejam do Estado, da imprensa, da igreja, de partidos,
de instituições de ensino e pesquisa, de historiadores, sociólogos, cientistas,
cidadãos, entre outros.
Assim sendo, a
liberdade de expressão é quem sustenta a pluralidade e a convivência de ideias, por vezes opostas
entre si, a tolerância para com quaisquer opiniões e a noção de que, em um
ambiente democrático pleno, mesmo o intolerante há de ser tolerado.
Contudo, no
Brasil, a amplitude que se tem conferido à liberdade de expressão, mais caro
instrumento assegurador dos apanágios da democracia, bem distante do alcance à
larga que se lhe atribui em Países mais desenvolvidos, entre nós tem assumido
compleição cada vez mais restritiva, e disso tem-se que embora nos pareça
exagerado atribuir a tal compreensão a pecha de tíbia, no mínimo cabe-lhe ser
classificada como tímida e insuficiente, conforme abaixo descortinamos.
1.1- O caso Rachel Sheherazade e a indesejável aplicação restritiva do direito à liberdade de expressão.
Embora aceita a
noção de que não existem direitos absolutos e por isso a liberdade de expressão
(assim como outros direitos fundamentais) possa ser concretamente ponderada, e,
se for o caso, ceder passo a outros direitos (por exemplo, se colide com a
dignidade da pessoa humana ou com direitos à intimidade, privacidade, imagem,
etc.), insculpa-se, não se pode limitar restringir
a alcançadura de tal direito por empecimentos, decorrentes de raciocínios
simplistas, preconceitos ou movidos que sejam por patrulhas “politicamente
corretas”, pois isso, por certo, fará nossa democracia capengar ou mesmo cair
para não mais levantar-se.
O conhecido caso
Rachel Sheherazade constitui um bom exemplo de o quão muito ainda haveremos de
caminhar para que a liberdade de expressão, no Brasil, alcance sua plenitude e
assim cumpra sua missão constitucional. Eis, pois, o fato em brevíssima
digressão:
Rachel Sheherazade, apresentadora de um
jornal televisivo, ao comentar a notícia de que um assaltante fora preso e
amarrado a um poste por populares, emitiu a seguinte opinião:
“Em um País que ostenta
incríveis 26 mortes a cada cem mil habitantes, que arquiva mais de 80% dos
inquéritos de homicídio, com polícia desaparelhada e Estado omisso e que sofre
de violência endêmica, a atitude dos vingadores é até compreensível. O
contra-ataque aos bandidos é o que eu chamo de legítima defesa coletiva de uma
sociedade sem Estado, contra um estado de violência sem limites. Aos Defensores
dos direitos humanos, que se apiedaram do marginalzinho preso poste, eu lanço
uma campanha: faça um favor ao Brasil, adote um bandido”.
Dada a
repercussão da opinião manifestada pela jornalista, dois deputados federais (do
PSOL e do PC do B) apresentaram representação junto ao Ministério Público ao
propósito de que fosse denunciada por apologia ao crime. Não bastasse isso, em
outra ponta ( segundo informa Felipe Moura Brasil (em 14/04/2014, em seu Blog), o Ministro da
Secretaria de Comunicação Social convocou representante da emissora SBT para
manifestar seu “desconforto” com as declarações da apresentadora.
Nesse
comboio de intolerância, Sheherazade recebeu críticas principalmente dos ditos
setores “progressistas” da sociedade, aqueles que costumam apelidar de “reaças”(reacionários)
qualquer um que não comungue de sua visão de mundo ou mesmo de sua ideologia e
que por isso, de seus adversários, recebem a pecha de “esquerdopatas”.
Dentre as
muitas cargas despejadas sobre Sheherazade, de aviões carregados de artefatos falazes
“politicamente corretos”, até mesmo o Sindicato dos Jornalistas do Rio de
Janeiro – entidade que deveria levar às últimas consequências a defesa do
sacrossanto direito de um jornalista emitir opinião –, lançou fortes bombardeios
contra a jornalista, ao fazer publicar contra ela desprecatado expediente (nota
de repúdio) em que sentenciou que a referida manifestação, além de malferir o código de
ética jornalístico, constituiria “atentado contra os direitos humanos”.
É claro
que não se pode ter por lícita ação de cidadãos que exercem arbitrariamente
suas próprias razões (aliás, isto é tipificado como crime pelo Código Penal),
ou seja, que façam justiça com as próprias mãos, mas é imperioso que a
sociedade, tanto quanto o próprio Estado, sem “senãos”, defenda o direito de
todos quanto vivam ao império do Estado Democrático de Direito externarem suas
opiniões. Aliás, nesse caso, como efeito secundário, ter-se-ia o encorajamento
de um novo comportamento da sociedade brasileira, que nas rodas intimas manifesta
pontos de vista que se pode classificar como conservadores, mas ao púlpito, por
conveniência ou receio de patrulhas, exterioriza somente os lugares comuns das
convenções politicamente corretas.
No caso em debate, as informações
mais recentes cuidam que, embora a opinião lançada por Rachel Sheherazade estivesse
longe de ser capitulada como apologia ao crime ou que possa ser classificada
como “discurso do ódio”[i], sua
sinceridade custou-lhe caro, pois, assim como seus colegas de trabalho, por ação da própria emissora de
televisão que os emprega, foi proibida de emitir opiniões sobre os fatos que noticiar.
Ou seja, os jornalistas e a própria democracia foram vítimas de um fenômeno que,
embora recorrente entre nós, pouco se tem deitado atenção: a execrável censura
privada, que, aliás, anos antes, foi publicamente defendida pelo dono da rede
de televisão SBT. Confira-se, pois:
“Na
faculdade o jornalista aprendeu a escrever o que deseja. Na minha televisão, se
quiser trabalhar comigo vai ter que dizer a inflação foi de 2, 3, 8%, só. Não
vai poder dizer a inflação foi de 8 %, que coisa! Vai ter que dar a notícia e
só! E se puder elogiar, elogie. Esta é a filosofia da minha empresa e dos
jornalistas que quiserem trabalhar comigo. Se não quiserem, comprem um jornal,
ganhem uma concessão de televisão!”
Contudo, o que mais há de preocupar é que este
cerceamento à liberdade de expressão não decorreu somente da vileza espontânea dos
dirigentes da emissora, não se verificou apenas por móvel próprio (como mesmo
haveria de se inferir tomando em conta as declarações de seu proprietário, que,
como se registrou logo acima, deu a conhecer sua detestável política de não
permitir a emissão de juízos de valor por seus jornalistas), mas por indevida pressão
de alguns desavisados seguimentos sociais e, pasmemos, também de um órgão
estatal (conforme acima se referiu).
Tal menoscabo
à liberdade de expressão, constate-se, infelizmente decorre de antolho que
afeta a visão tanto de “centropatas”, categoria onde há de se incluir boa parte
dos concessionários de rádios e televisões, quanto de “esquerdopatas”, “destropatas”,
além, claro, dos que se auto proclamam
defensores da moral e dos bons costumes.
1.2 - O caso Mino Carta (Editora Confiança) versus Diogo Mainardi (Editora Abril/Revista Veja): jornalista versus jornalista.
Outro caso recente ilustra a estreita compreensão sobre a
abrangência da liberdade de expressão, inopinadamente, por parte dos próprios jornalistas.
Confira-se, pois.
Diogo Mainardi e a Editora
Abril/Revista Veja tiveram contra si ação indenizatória, em decorrência de
danos morais, movida por Mino Carta e a Editora Confiança. A causa de pedir residia
na publicação de dois artigos na Revista Veja denominados “Observatório da
imprensa”e “Mensalão da imprensa”, cujos cernes das supostas ofensas manifesta-se
nos seguintes excertos:
“Mino
Carta, por outro lado, é subordinado a Carlos Jereissati. Tem a missão de
atacar Dantas. E de defender a ala lulista representada por Luis Gushiken.”
“O Mensalão não é só para deputados. Há
também o mensalão da imprensa. No último número da revista Carta Capital, quase 70% dos anúncios eram do governo federal. Lula
sempre soube remunerar direito seus aliados. Carta Capital é João Paulo Cunha dos semanários. O José Janene. O
Valdemar Costa Neto.”
Eis, pois, uma
esdrúxula situação em que um jornalista se vê processado por outro, em pleno
exercício de seu mister.
Neste caso, no
entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou razão aos autores da ação (supostamente
ofendidos) asseverando que “a liberdade de imprensa é una, e os que se dedicam
a explorar os meios de comunicação devem suportar com resignação as críticas,
tanto mais se utiliza delas com largueza, porque é certo que aquele que critica
alguém está obrigado a aceitar que esse alguém lhe critique em resposta –
trata-se de hipótese em que a conduta da vítima diminui a amplitude dos seus
direitos à personalidade.”[ii]
Portanto, a Corte Paulista, trazendo para os
trilhos a melhor compreensão sobre o significado e a importância do direito à liberdade
de expressão, fez aplicar aos debates jornalísticos o vetusto e sábio adágio: “quem
sai para dar, leve um saco para trazer”.
2- A liberdade de expressão nas democracias mais desenvolvidas.
Diante desse
quadro que expõe a visão apertada que, no Brasil, ainda conferimos à liberdade
expressão, cumpre, nesta singela
assentada, perlustrar-se o exercício da liberdade de expressão em países que o tomam
como valor inviolável, cuja abrangência, em largura, comprimento e altura, somente
poderá sofrer limitações em excepcionalíssimas hipóteses.
Nos Estados
Unidos, mesmo o discurso do ódio (hate
speech) não é proibido, e isso é assegurado pela primeira emenda à
Constituição Estadunidense que veda ao legislador ordinário o estabelecimento
de cerceios à liberdade de expressão, de imprensa ou de reunião pacífica.[iii]
Por lá, crê-se que ideias e discursos, por mais ofensivos que sejam, devem ser
refutados com outros discursos ou por outras ideias. As únicas possibilidades
de regulação dizem respeito à “imposição de conteúdo neutro”, tais como volume
de alto-falantes nas proximidades de escolas, hospitais ou em bairros nas horas
reservadas ao descanso noturno ou mesmo medidas para a segurança durante
desfiles ou protestos. Restrições com base no conteúdo somente são admitidas, se
disserem respeito à incitação à violência iminente, se for plausível, ou seja, se
detém a propriedade de produzir, de forma imediata, a violência que apregoa.[iv]
Assim, um discurso
será tolerado mesmo que apregoe o ódio contra judeus ou afro-descendentes,
latinos, imigrantes, homossexuais, etc., pois, segundo entendem os
estadunidenses, tais discursos, por mais repulsivos que possam ser não terão o
poder imediato de desencadear a violência. Neste particular, somente não receberá
guarida da Primeira Emenda o discurso cujo conteúdo implique em, por exemplo, um
orador conclamar sua plateia a atacar com violência física a todos os que
presentes no mesmo local de uma manifestação não comunguem de suas ideias ou pertençam
a outros grupos.
Nessa linha, a Suprema
Corte dos Estados Unidos já considerou legítima até mesmo uma manifestação de
partidários do nazismo em um bairro judeu ( “Collin vs. Smith”, 1977),
contando inclusive com o apoio de uma das principais entidades de defesa dos
direitos civis dos Estados Unidos – a “American Civil Liberties Union” (ACLU) – que
se postou a favor da causa dos nazistas, por conceber que a liberdade de
reunião/expressão deveria alcançar a todos indistintamente, inclusive aqueles
que manifestavam ideias que provocavam a repulsa geral (merecendo registro que
a ACLU era liderada por David Goldeberger, um advogado judeu).
Contudo, à luz da liberdade de expressão, merece
apartada reflexão o discurso do ódio como umas das causas do genocídio de
Ruanda. Vejamos então:
Em Ruanda, no
ano 1994, uma emissora de rádio (Rádio RTML) realizou transmissões diárias para
incitar o ódio contra os Tutsis, por exemplo, comparando-os com baratas que
precisavam ser exterminadas. Além disso, identificavam-se os locais onde se escondiam para que fossem massacrados.
Tendo tal fato
contribuído decisivamente para um dos maiores genocídios da história humana, queremos
crer, mesmo nos Estados Unidos não receberia proteção do direito a liberdade de
expressão, embora, naquele País, por certo, houvesse quem cogitasse da
incidência da liberdade de expressão caso existissem, na época, em Ruanda,
várias outras estações de rádio com permissão para comunicar pontos de vista
contrários, pois nesse caso a comunicação plural seria suficiente para combater
o referido discurso e assim evitar o quase extermínio dos Tutsis.
Essa crença
inabalável na liberdade de expressão fez com que os Estados Unidos, assim como
também o Reino Unido, emitissem reservas ao art. 20, do Pacto Internacional
Sobre Direitos Civis e Políticos onde determina que “qualquer apologia do ódio
em relação à nacionalidade, raça ou religião que constitua incitamento à
discriminação, à hostilidade ou à violência deve ser proibida por lei”.
Na Europa
continental, no entanto, palmilhou-se caminho completamente oposto, eis que o
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou o “discurso do ódio” indigno
de qualquer proteção ao afirmar que é necessário “proibir todos os tipos de
expressão que advogue, incite e promova o ódio com base na intolerância”[v](embora,
ao contrário do que seria desejável, esta determinação não vem sendo observada,
a julgar-se por uma certa indulgência em relação a ascensão de partidos e
organizações extremistas, além da frequência com que insultos racistas tem sido
dirigidos a jogadores de futebol).
Ainda na
Europa, na Alemanha, por exemplo, conquanto a dignidade da pessoa humana (e não
a liberdade de expressão) seja o direito fundamental com maior valoração
(dispõe a lei fundamental alemã, art. 1º,
que a dignidade humana é inviolável), o discurso do ódio é
legislativamente repelido. Assim, os teutônicos proíbem manifestações, como as
que acima se referiu, fundadas sejam em etnia, nacionalidade, origem ou
religião. Contudo, malgrado a liberdade
de expressão, neste País, não possua a compleição quase absoluta como nos
Estados Unidos, por lá este direito agrega um diferencial que o coloca como
modelo a ser seguido por Países como o Brasil, onde o pleno Estado Democrático
de Direito ainda está em processo de afirmação e aperfeiçoamento: na Alemanha
compreende-se a liberdade de expressão como garantia do pluralismo de ideias e,
diferentemente do que se dá entre os estadunidenses, tal direito não é
invocável pelo indivíduo apenas contra o Estado, mas também nas relações entre
os particulares, neste caso atuando dimensão objetiva do direito à liberdade de
expressão que reclama um agir por parte do Estado a fim de garantir uma difusão
plural de ideias e pontos de vista.
Deste modo, não
por outra razão, conforme exemplifica Daniel Sarmento,[vi]
esta direção foi apontada no caso Blinkfüer[vii]
em que o Estado-Juiz garantiu proteção a um periódico semanal de pequena
circulação, de orientação comunista, contra as pressões exercidas por outro jornal
maior e com maior poderio econômico, que ameaçava interromper a distribuição de
seus exemplares aos jornaleiros que também vendessem aquele semanário.
Por
conseguinte, como ponto de interseção, tem-se que nas principais democracias do
mundo a preocupação com liberdade de expressão vai bem além de simplesmente protegê-la
contra a ação do Estado. Por lá, leva-se a efeito um princípio também presente em nossa Constituição
Brasileira: o princípio da proteção suficiente, que em linhas
gerais traduz o dever estatal de efetivação de direitos, ou sob enfoque que
conferimos, nestas nossas considerações, representa o mandamento que impõe ao
Estado a feitura e aplicação de leis ou adoção de medidas que garantam o pleno
exercício das liberdades, entre as quais, é claro, a liberdade de expressão.
3- Medidas para alargar o alcance do direito a liberdade de expressão.
3.1 – Autonomia e estabilidade para jornalistas empregados.
Bem ao largo de defendermos uma fairness doctrine[viii]
à brasileira ou a tosca ideia de um “controle social dos meios de
comunicação”, medidas estas, diga-se passagem, desnecessárias e
perigosas para a democracia – e que, aliás, não possuem autorização
constitucional, pois nem mesmo o “respeito aos valores éticos e sociais e
da família” na produção e programação de rádios e televisão (reclamado
pelo art. 221, IV, da Constituição Federal) permite ingerência estatal
nos conteúdos da grade de programação das emissoras (muito mais no que
se refere a informação jornalística, onde a Constituição, expressamente,
em seu art. 220, § 1º, dispõe que nenhuma lei conterá dispositivo que
possa constituir embaraço a sua plena liberdade) –, aqui defendemos a
independência daqueles que fazem circular informações, relatos e
opiniões (assim entendendo-se, reporteres, colunistas, articulistas,
redatores, apresentadores, etc.) em relação à linha editorial, política
ou ideológica dos dirigente de veículos de comunicação, para assim
garantir-se sua autonomia intelectual, criativa e investigativa.
Com efeito, evitando-se que que jornalistas fiquem a mercê de uma
“censura privada”, como sói ocorrer em oligopólios televisivos e jornalísticos,
onde as matérias devem enaltecer ações dos amigos e enxovalhar as ações e
reputações dos inimigos, uma imensa e indispensável contribuição será dada para o
fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
Nessa ordem de idéias, considerado que, em boa
hora, o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou a aplicabilidade da Lei de
Imprensa (Lei nº 5250/67), por entendê-la incompatível com a atual ordem
constitucional (ADPF 130), que em seu lugar o Congresso Nacional aprove, não um
novo estatuto da imprensa, mas diploma legislativo que assegure a
inviolabilidade de todo jornalista, seja em relação a notícias e informações
que veicular, notícias e informações que comentar, opiniões que emitir,
matérias que escrever e que, se por isso for demitido, afastado ou suspenso,
que se garanta poder ser imediatamente reintegrado ao emprego, mantendo-se
estável por pelo menos cinco anos, além de se lhe garantir o exercício da mesma
função que antes exercia sem nenhuma interferência interna ou externa.
3.2 –
Biografias não autorizadas.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em Ação Direta
de Inconstitucionalidade (ADI 4815) ajuizada pela Associação Nacional dos
Editores de Livros (Anel), por unanimidade, declarou inexigível a autorização
prévia para a publicação de biografias.
Por conduto do voto
da Ministra Cármen Lúcia, o STF conferiu interpretação conforme a Constituição
da República aos artigos 20 e 21 do Código Civil, para conformá-los ao
sistema protetivo contido nos direitos fundamentais à liberdade de expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação,
independentemente de censura ou licença de pessoa biografada, relativamente a
obras biográficas literárias ou audiovisuais (ou de seus familiares, em caso de
pessoas falecidas).
Eis, pois, os
principais argumentos invocados como ratio
decidendi pelo Pretório Excelso.
“a) em consonância com os direitos fundamentais à liberdade
de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica,
declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras
biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária
autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em
caso de pessoas falecidas);
b) reafirmar o direito
à inviolabilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da
pessoa, nos termos do inc. X do art. 5º da Constituição da República, cuja
transgressão haverá de se reparar mediante indenização.”
Esse histórico
julgamento proferido pelo STF, conforme se extrai do conjunto de fundamentos
invocados pelos Ministros em seus votos, identificou “uma tensão entre a
liberdade de expressão e o direito à informação, de um lado, e os direitos da
personalidade (privacidade, imagem e honra), do outro – e, no caso, o Código
Civil ponderou essa tensão em desfavor da liberdade de expressão, que tem
posição preferencial dentro do sistema constitucional.”
Embora que no cotejo de tais valores
constitucionais (liberdade de expressão versus
privacidade) o STF tenha afirmado a prevalência do primeiro conjunto de
direitos no caso concreto (liberdade de expressão), “os direitos do biografado
não ficarão desprotegidos: qualquer sanção pelo uso abusivo da liberdade de
expressão deverá dar preferência aos mecanismos de reparação a posteriori,
como a retificação, o direito de resposta, a indenização e até mesmo, em último
caso, a responsabilização penal.”
Desse
modo, o STF ministrou um importante fertilizante para que a árvore democrática
continue a crescer frondosa, qual seja; o reconhecimento da não exigência de
prévia autorização para a divulgação de imagens, escritos e informações, com
finalidade biográfica, de pessoas cujas trajetórias pessoais, artísticas ou
profissionais tenham dimensão pública ou estejam inseridas em acontecimentos de
interesse da coletividade, sejam estas políticos, artistas, desportistas, entre
outros “famosos”, pois este alcance largo que se há de conferir à liberdade de
expressão representa um importantíssimo passo para que nos aproximemos mais de
países com processos democráticos mais avançados, em que, mencione-se, há muito
não se cogita de tal exigência.
3.3 – Opiniões de cidadãos de
cargos públicos, detentores de mandatos, pessoas natural ou jurídica que
manuseio dinheiro público.
Opiniões de particulares/cidadãos ou
jornalistas sobre as ações de ocupantes de cargos públicos, detentores de
mandatos ou quaisquer pessoas que manuseiem dinheiros públicos, devem ser
protegidas. Neste caso, somente se lhe poderá impor reprimenda penal ou
indenização cível quando o fato assacado for manifestamente inverídico ou como
se dá nos Estados Unidos quando a “figura pública” lograr demonstrar que o
emissor da declaração a publicou com “má fé real”, isto é, que agiu com prévio
conhecimento de que a informação era falsa ou visava apenas prejudicar o
caráter, a boa fama ou a reputação.[ix]
3.4 – Controle de verbas
publicitárias estatais.
É de todo necessário que os
veículos de comunicação tenham autonomia em relação ao Estado, por ser inegável
que a democracia, até mais que no direito de votar e ser votado, se sustenta e
se fortalece pela livre circulação de ideias. Para tanto é necessário que o
Congresso Nacional crie mecanismos para combater a pressão exercida por maus
governantes que utilizam verbas destinadadas a propaganda dos atos estatais para
calar a crítica ou promover proselitismo pessoal ou partidário. Ou seja, é
preciso expungir a odiosa prática de se destinar verbas para anuncios
publicitários para a imprensa dita amiga, useira e vezeira de panegíricos, e
negar tais patrocínios aos adversários de suas políticas.
3.5 – Novas concessões com
transparência.
É demanda urgente que se combata a atuação de grupos de comunicação
hegemônicos, mas em lugar de se fechar emissoras de radios e televisão, vezo de
tiranos mal disfarçados da América Latina, que com transparência se estimule o
surgimento de uma comunicação social realmente plural, com a abertura de novas
concessões, não a “padrinhos” ou apaniguados de ocupantes de cargos políticos,
mas para quem de fato reunir austeros critérios fixados em lei.
3.6 – O consumidor e liberdade de expressão.
Dado que as pessoas jurídicas de
direito privado podem sofrer danos morais (Súmula STJ 227) – em vista de que a
proteção dos direitos da personalidade se lhes aplicam (Art. 52, do CC) –, urgentemente, deve o Estado legislar para conferir
proteção aos consumidores para que possam expor suas críticas e opiniões sobre
produtos e serviços de empresas sem receio de se verem processados e
eventualmente condenados a indenizar a empresa que lhes prestou um serviço ruim
ou lhes forneceu um produto com defeito ou sem qualidade.
3.7 – A liberdade de expressão e a
“censura togada”.
Para que o próprio Poder
Judiciário não acabe por instituir uma espécie de “censura togada”, a apreensão
de livros, jornais ou periódicos, proibição de matérias em blogs e sítios, entre
outros veículos, deve ser lavada a efeito tão somente quando houver séria e efetiva
violação de direitos da personalidade (intimidade, vida privada, honra e imagem).
A ofensa deve, pois, ser analisada objetivamente e meros melindres não podem
ser tomados como justificativa para que tais medidas de força sejam levadas a
efeito. Portanto, neste caso somente deve haver atuação judicial quando:
a) a informação for manifestamente
inverídica ou tenha evidente propósito difamatório; ou,
b) quando a publicação for frívola e inútil para quem a recebe e,
ao mesmo tempo, atente contra a honra, a imagem, a intimidade, a privacidade, infância
ou outros valores da pessoa a qual a manifestação se refere. Desta última
hipótese, constituem exemplos a publicação de fotos sensuais de pessoa (com ou
sem notoriedade) e que tenham saído de sua esfera de vigilância contra a sua
vontade, pornografia infantil, etc.
3.8 – A liberdade de expressão e
o direito de resposta.
Tendo em vista que lei de
imprensa foi declarada inconstitucional, conforme já fizemos referência, o
direito de resposta constitucionalmente assegurado, atualmente, não possui nenhum
tratamento ordinário. Assim, é necessário que o Congresso regulamente a matéria
não só o direito de resposta proporcional ao agravo, mas que seja exercido de
forma mais ampla possível. Ou seja, deve o Poder Legislativo instituir diploma
regulamentar que permita ao ofendido contrapor-se aos fatos assacados contra
sua pessoa, refutar acusações, opiniões ou juízos de valor e ter também
garantido o direito à última palavra. É que, neste caso último, é necessário
que se combata sestro de quase todos os veículos de comunicação (televisões,
rádios, imprensa escrita, blogs e sites da Internet) que após publicarem a
resposta do ofendido, adicionam mais considerações reafirmando ou defendendo
suas posições. A cada nova manifestação que se garanta ao ofendido o direito de
objetá-la.
4- Conclusões.
Não se pode como Pangloss de Voltaire[x]
acreditar que temos o “melhor dos mundos possíveis”, que o castelo do barão é o
mais bonito possível e a senhora, a melhor possível das baronesas, e que as
coisas não podem ser de outro modo.
Assim, como o nariz não foi feito
apenas para apoiarmos os óculos, a liberdade de expressão deve mais e melhor
servir a causa da democracia. Para que nosso decantado Estado Democrático de
Direito não seja erigido na areia e sim na rocha como recomenda a prudência, mais
que a adoção das medidas que acima propomos, é indispensável evoluirmos em
nossa compreensão sobre o seu significado, importância e abrangência.
Das concepções européias e estadunidenses, se ainda
não nos atrevemos, a trazê-las integralmente para nós, dos primeiros, ao menos,
tomemos a dimensão
objetiva do direito à liberdade de expressão, que, como ventilamos, reclama um
agir por parte do Estado a fim de garantir a difusão plural de ideias e pontos
de vista. Dos segundos, embora não se deva mesmo dar guarida ao “discurso do
ódio”, assimilemos tão somente a concepção de que “maus discursos se combate
com bons discursos”, más ideias, com boas idéias, especulações e aleivosias com
o concreto e a verdade. Aliás, a eficiência deste métodoficou
comprovada pelo jogador brasileiro Daniel Alves, eis que quando um torcedor, em
uma atitude racista, atirou-lhe uma
banana, este prontamente a comeu, e assim
jogou toda a opinião pública mundial contra o infeliz torcedor do clube
espanhol Villareal.
Por
Airton Portela, Juiz Federal e Professor. ex-Advogado da União,
ex-Procurador Federal, ex-Analista e ex-Advogado de Militância Privada.
[i] O
discurso do ódio já mereceu rechaço do Supremo Tribunal Federal no julgamento
do HC 82424 que teve Sigfried Ellwanger como paciente.
[ii] Embargos Infringentes n. 0109004-31.2007.8.0000/50001,
Des. Rel. Flavio Abramovici, TJ-SP, em 2 de julho de 2013.
[iii] No Brasil, em posição
semelhante, o Supremo Tribunal Federal considerou crime de racismo a publicação
de um livro que questionava o holocausto judeu durante a segunda guerra mundial
(HC 82424 que teve Sigfried Ellwanger como paciente). Como principal esteio
argumentativo o Supremo Tribunal Federal fixou que “o preceito fundamental de
liberdade de expressão não consagra um direito de incitação ao racismo, dado
que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas
ilícitas”. No entanto, no julgamento da ADI 4.274/DF, decidiu que a “marcha da
maconha”, embora ao defender a descriminalização da cannabis, não seria
capitulável no crime previsto no art. 33, § 2º, da lei 11.343/06 (Induzir,
Instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga), pois entendeu que tal
manifestação estaria protegida pelos direitos de reunião e de livre
manifestação do pensamento.
[iv] Suprema
Corte dos Estados Unidos: Brandenburg v. Ohio,
U.S. 395 444 (1969).
[v] Feret v. Belgica, Eur. Ct. HR 64 (Julho
de 2009).
[vi]SARMENTO,
Daniel. Liberdade de expressão,
pluralismo e o papel do Estado. Revista Diálogo Jurídico, Salvador n. 16,
maio-junho-agosto, 2007, Disponível no site: http://www.direitopublico.com.br.
[vii] 25
BVerfGE 256, de 1969, da Corte Constitucional Alemã .
[viii] Atos
normativos que permitiam, até meados da
década de 80, nos Estados Unidos, que a Federal Communications Comission exigisse
que emissoras de rádio e televisão veiculassem pontos de vistas diferentes
daqueles adotados em sua linha editorial.
[ix] Nesse
sentido, Suprema Corte dos Estados Unidos: New
York Co. v. Sullivan, 376 U.S. 254, 279 91964) , Gertz v. Robert Welch, Inc.,418 U.S. 323 (1974) e Dun & Bradstreet, Inc., 472 U.S..
479 (1985).
[x] Como
se sabe, no conto Candido ou O otimismo, Voltarie (Fraçois Marie Arouet), Pangloss
era o oráculo da família do Barão de Thunder-tem-tronckh e pregava que não
existe efeito sem causa e que tudo o quanto criado o fora por uma finalidade e
que por isso as coisas não poderiam existir de outro modo.
Referências.
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Jurídico, Salvador n. 16, maio-junho-agosto, 2007, Disponível no site: http://www.direitopublico.com.br.
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1997.
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