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sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Novo CPC: novas hipóteses de repercussão geral, fim da dupla admissibilidade do RE e outros problemas para o bom funcionamento do STF.

Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal, ex-Analista e ex-Advogado de Militância Privada.


O Plenário do STF, ao iniciar o julgamento de Recurso Extraordinário (RE 693456), por maioria, decidiu que uma vez reconhecida a repercussão geral em recurso extraordinário, as partes ficam impossibilitadas de desistir do processo.

O que se entende por Repercussão Geral ?

A Emenda Constitucional n.º 45/04, instituída ao propósito de promover a chamada "reforma do Poder Judiciário", ao acrescentar o inciso LXXVIII ao art. 5° da Constituição Federal de 1988 (quer em processos judiciais como em administrativos) assegurou sua “a razoável duração e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação".

Para concretização deste comando de razoável duração da tramitação de processos, a própria Emenda referida trouxe dois institutos relacionados à atuação do Supremo Tribunal Federal: a Súmula Vinculante e a Repercussão Geral (art. 103-A e art. 102, §3° da CF/1988).

A denominada repercussão geral, possivelmente, foi instituída sob inspiração do writ of certiorari do direito norte-americano, posto que, aqui como lá, tais institutos permitem (a Suprema Corte dos Estados Unidos e ao STF) o exercício de um juízo prévio de admissibilidade com base na relevância e na transcendência da questão constitucional.

Entre nós, o instituto da repercussão geral foi criado ao propósito de diminuir o número de recursos, conferir compleição objetiva aos julgamentos e para que as questões postadas à apreciação do STF sejam constituídas somente por aquelas reputadas relevantes e paradigmáticas para o Poder Judiciário (e também para o Poder Público e para a sociedade), tendo recebido regulamentação do ainda vigente Código de Processo Civil pelos artigos 543-A e 543-B.

De tais preceitos decorre que o STF, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, para tal efeito considerando-se questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que decorram ou que sobejem os interesses subjetivos da parte.

A repercussão geral será presumida quando o recurso impugnar decisão que contrariou súmula ou jurisprudência dominante do STF. Nos demais casos, os Ministros analisarão virtualmente a repercussão, no prazo de vinte dias. Se nada disserem em tal lapso, a repercussão estará admitida.

Também é possível extrair-se dos referidos dispositivos do CPC (ainda vigente) que alguns recursos que ainda tramitam no tribunal de origem, mas que denotem mais relevo e que sejam mais representativos da controvérsia, devem ser remetidos ao STF, para exame. Outros recursos em idêntica situação ficarão sobrestados até pronunciamento definitivo do STF quanto à matéria pinçada como de repercussão geral.

A repercussão geral, ao conferir objetividade ao recurso extraordinário, inevitavelmente, reforçará tendência à assimilação da cultura do respeito aos precedentes (stare decisis). Tanto é assim que o Código de Processo Civil (em seu artigo 543, § 3º) prevê que, em se tratando de decisão proferida em repercussão geral, os Tribunais, Turmas de Uniformização e Turmas Recursais, deverão observar a orientação fixada pela Suprema Corte no processo paradigma quando da adoção de solução para o caso concreto. 

Isso significa que “as decisões proferidas pelo Plenário do STF quando do julgamento de recursos extraordinários com repercussão geral vinculam os demais órgãos do Poder Judiciário na solução, por estes, de outros feitos sobre idêntica controvérsia,” mas não caberá ao ‘próprio STF o ônus de aplicar diretamente a cada caso concreto seu entendimento. “A cassação ou revisão das decisões dos juízes contrárias à orientação firmada em sede de repercussão geral há de ser feita pelo tribunal a que estiverem vinculados, pela via recursal ordinária. A atuação do STF, no ponto, deve ser subsidiária, só se manifesta quando o tribunal a quo negasse observância ao leading case da repercussão geral, ensejando, então, a interposição e a subida de recurso extraordinário para cassação ou revisão do acórdão, conforme previsão legal específica constante do art. 543-B, § 4º, do CPC  .”[ii][iii]


O Novo CPC.


Além dos casos previstos no CPC de 1973, ou seja, hipóteses envolvendo questões relevantes, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa ou sempre que o recurso impugnar decisão contrária à súmula ou jurisprudência dominante do STF, o novo CPC trouxe mais duas hipóteses em que o STF, necessariamente, haverá que reconhecer a repercussão geral ao recurso extraordinário. A saber, sempre que o recurso impugnar acórdão:


  a) que tenha sido proferido em julgamento de casos repetitivos;


b) tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal.


Se é certo que há demandas repetidas que não necessitam chegar ao Supremo Tribunal, assim como também há tratados e leis federais com pouca ou nenhuma repercussão política, social ou econômica (situação agravada com o estabelecimento do prazo de 1(um) ano para o julgamento dos Recursos Extraordinários em que o STF reconheceu a repercussão geral), esse alargamento da admissibilidade do recurso extraordinário é tremendamente negativo para o bom funcionamento do Supremo Tribunal Federal, porquanto o afasta cada vez mais do projeto de tornar-se uma exclusiva corte constitucional e o aproxima de tornar-se cada vez mais corte de revisão.  
  Também é fato que tal inovação legislativa contribuirá para nos distanciar ainda mais de países em que a função jurisdicional é realizada com bem mais eficiência.

 Nesse sentido, por exemplo, a Suprema Corte do Estados Unidos, quando da apreciação dos writs of certiori (que serviu de inspiração para a repercussão geral), tem total discricionariedade sobre apreciar ou não a questão, seja por não dispor de pauta, por entender que a questão não tem maior relevância ou que seja mais debatida pelas cortes superiores.


Não bastasse isso, o novo CPC estabelece:

a) Cabimento de reclamação para garantir a observância de precedente surgido do julgamento de casos repetitivos (artigo 988, IV); 

À luz do atual CPC, cumpre anotar-se, em tal hipótese a jurisprudência do STF não admite o manuseio de reclamação.[i] 

b) Agravo em recurso extraordinário contra ato que não reconhecer repercussão geral (artigo 1.042).
  
Os recursos extraordinários devem ser enviados ao STF sem a realização de juízo de admissibilidade pelas instâncias recorridas (artigo 1.030, parágrafo único), a ausência desse filtro, assim não espero, acarretará a sobrecarga ou o completo colapso do STF.

      
Nesse particular, registro o meu desalento com o novo diploma processual.
 


[i]     STF (Rcl 10793, rel. Min. Ellen Grace; e Rcl 16499, rel. Min. Gilmar Mendes, em 07-10-2014.
[ii] (Rcl 10.793, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 13-4-2011, Plenário, DJE de 6-6-2011.) No mesmo sentidoRcl 9.302-AgR, rel. min. Dias Toffoli, julgamento em 11-4-2013, Plenário, DJE de 1º-7-2013;



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