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quarta-feira, 23 de setembro de 2015

IMPEACHMENT: entenda o processo de responsabilização do Presidente da República.

O texto a seguir foi extraido da obra Manual de Direito Constitucional, volume II, de autoria do Juiz Federal e Professor Airton Portela (resguarde-se direitos autorais).
 




O Presidente da República detém a chamada imunidade temporária à persecução em juízo. 


Com efeito, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções ou cometidos anteriormente ao início de seu mandato (CF, art. 86, § 4º). Enquanto não cesse a investidura na presidência somente poderá ser processado por situações extrapenais, ou seja, que lhe imputem responsabilidade civil, administrativa ou tributária.

Entretanto, o Presidente da República, no âmbito penal, está sujeito a apenamento pelo cometimento de crimes comuns – desde que relacionados ao exercício de suas funções –, e de responsabilidade quando pratique atos que atentem contra a Constituição Federal (CF, art. 85), mais exatamente contra:

a) a existência da União;

b) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

c) o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;

d) a segurança interna do país;

e) a probidade na administração;

f) a lei orçamentária;

g) o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Contudo, a simples previsão das condutas na Constituição não é suficiente para a responsabilização criminal do Presidente da República, já que a tipificação de qualquer crime deve ser feita pelo instrumento normativo adequado, que é a lei infraconstitucional. Por isso é que a própria Carta Política preceitua que “esses crimes serão definidos em lei especial, que deve ainda estabelecer as normas de processo e julgamento.”

Com efeito, a Lei nº 1.079/50, naquilo que se compatibiliza com a Constituição de 1988 (em grande parte é compatível),[3] é quem define crimes, fixa sanções, processo e procedimento para responsabilização do Presidente da República, dos Ministros de Estado, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Procurador-Geral da República.

O processo transcorre da seguinte forma:

Nos crimes comuns imputados ao Presidente da República a denúncia será oferecida pelo Procurador-Geral da República e o processamento e julgamento caberá ao Supremo Tribunal Federal. Nos crimes de responsabilidade a denúncia poderá ser formulada por qualquer cidadão, desde que no gozo de seus direitos políticos.

Em qualquer caso, porém, a Câmara dos Deputados deve autorizar a instauração de processo contra o Presidente da República (art. 51, I), o Vice-Presidente (e os Ministros de Estado quando conexos com crimes cometidos pelo Presidente da República), por dois terços de seus membros (CF, art. 86).[4]  

Segundo entendimento majoritário manifestado pela doutrina, a referida admissibilidade realizada pela Câmara dos Deputados obriga o Senado Federal a instaurar o processo por crime de responsabilidade. Todavia, registramos nossas reservas em relação a essa posição por entendermos que aquela Casa do Congresso Nacional não recebeu autorização constitucional para subordinar a sua congênere. 
 
Nos crimes de responsabilidade, a denúncia, como se viu, manuseada por qualquer cidadão, será dirigida à Câmara dos Deputados, que examinará a admissibilidade da acusação oferecida contra o Presidente da República (CF, art. 86, caput), podendo, portanto, rejeitar a denúncia oferecida na forma do art. 14 da Lei nº 1.079/50. 

Nesse caso, o Presidente da Câmara, em exame preliminar, pode rejeitá-la de forma imediata, desde que verifique ausência de formalidades extrínsecas, ilegitimidade de denunciante e denunciado ou quando seja inepta ou despida de justa causa, contudo não se afastando a possibilidade de que, por meio de recurso, tal decisão seja analisada pela pelo plenário da Casa.[5] 

Esclareça-se, contudo, que a jurisprudência mais recente do STF entende que o cidadão denunciante não tem direito ao manuseio de recurso, por falta de previsão legal (Lei nº 1.079/50),[6] ainda que não se possa afastar a possibilidade de que Deputado faça uso de tal direito, na forma do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.

Cumpre esclarecer que no procedimento de admissibilidade da denúncia, embora a Câmara dos Deputados profira juízo político, segundo a jurisprudência do STF, o acusado tem direito a prazo para defesa, em observância ao contraditório e ampla defesa, insculpido no art. 5º, LV, da CF.[7]
Uma vez recebida a denúncia pela Câmara dos Deputados, caberá ao Senado processar e julgar o Presidente da República, nos crimes de responsabilidade e[8] ao Supremo Tribunal Federal nos crimes comuns.

Em tais processos, em que a convenção doutrinária denomina impeachment, o Presidente da República ficará suspenso de suas funções, não pela simples autorização para processamento levada a efeito pela Câmara dos Deputados, mas ao ser recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou após a instauração do processo pelo Senado Federal, no caso de crimes de responsabilidade (CF, art. 86, § 1º, I e II).[9]

No julgamento dos crimes de responsabilidade, o Presidente do Supremo Tribunal Federal funcionará como Presidente de um Tribunal Político, uma Corte sui generis em que se converte o Senado Federal,[10] exercendo “função judicialiforme”[11] em processo é político-penal,[12] a quem cabe processar e julgar não só os crimes de responsabilidade cometidos pelo Presidente e pelo Vice-Presidente da República, como também os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles, mas também, em delitos dessa natureza, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União (CF, art. 52, I e II).

Em todos os casos as sanções decorrentes da condenação por crimes de responsabilidades, proferida por dois terços dos votos do Senado, limita-se à condenação à perda do cargo e inabilitação por oito anos para o exercício de função pública (CF, art. 52, parágrafo único, primeira parte).

Contudo, se o julgamento não estiver concluído no prazo de cento e oitenta dias, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo (CF, art. 86, § 2º).

No mais, caso a conduta definida como crime de responsabilidade também seja tipificada como crime, comum os agentes políticos acima referidos também por tal delito responderão (CF, art. 52, parágrafo único, segunda parte).

Cumpre ainda anotar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orienta-se nos sentido de que a imputabilidade, por crimes de responsabilidade, cessa quando o dignitário deixa de ocupar o cargo (Presidente, Governador, Ministros, Secretários de Estado, Chefes de Missão Diplomática etc.).[13] No entanto, a Corte Suprema entende que o mesmo não ocorre em relação aos Prefeitos, que continuam a responder por crimes de responsabilidade mesmo após deixarem o cargo.[14] [15]

Por último, assente-se que a renúncia do dignitário ao cargo, quando já iniciado o processo de Impeachment, não impede a continuação do julgamento por crime de responsabilidade.[16]


Qual a natureza jurídica dos crimes de responsabilidade? O seu mérito pode ser examinado pelo Poder Judiciário?

Os crimes de responsabilidade têm natureza jurídica de infrações político-administrativas ou ilícito político-administrativo, entretanto é matéria tratada pelo direito penal é por isso somente a União detém competência para sua definição e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento (STF, súmula nº 722).

No julgamento do processo de impeachment o Poder Judiciário não pode examinar o seu mérito e sua conveniência, “sob pena de substituir-se ao Legislativo na análise eminentemente política” das questões ali tratadas.[17]



[1]
[2].      (Inq 672-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 16-9-1992, Plenário, DJ de 16-4-1993).

[3].      STF (MS 21.564-DF). (MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993).

[4].      CF, art. 86: “Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.”

[5].      STF (MS 20.941-DF, Sepúlveda Pertence, DJ de 31-8-1992).

[6].      STF – “Oferecimento de denúncia por qualquer cidadão imputando crime de responsabilidade ao Presidente da República (...). Impossibilidade de interposição de recurso contra decisão que negou seguimento à denúncia. Ausência de previsão legal (Lei 1.079/1950). A interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos Deputados constituem matéria interna corporis, insuscetível de apreciação pelo Poder Judiciário.” (MS 26.062-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 10-3-2008, Plenário, DJE de 4-4-2008.) No mesmo sentido: MS 25.588-AgR, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 2-4-2009, Plenário, DJE de 8-5-2009.

[7].      STF – O impeachment e o due process of law: a aplicabilidade deste no processo de impeachment, observadas as disposições específicas inscritas na Constituição e na lei e a natureza do processo, ou o cunho político do Juízo. CF, art. 85, parágrafo único. Lei 1.079, de 1950, recepcionada, em grande parte, pela CF/1988 (MS 21.564-DF). (MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993).

[8].      STF (MS 21.564, Rel. p/ o ac. Min. Carlos Velloso, julgamento em 23-9-1992, Plenário, DJ de 27-8-1993).

[9].      STF (...) A renúncia ao cargo, apresentada na sessão de julgamento, quando já iniciado este, não paralisa o processo de impeachment. Os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa (CF, art. 37). (MS 21.689, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-1993, Plenário, DJ de 7-4-1995).

[10].     STF (MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993).

[11] STF(MS 21.623, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 17-12-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993.).

[12] Idem.
[13].     STF – Por outro lado, ao contrário do que sucede com os crimes comuns, a regra é que cessa a imputabilidade por crimes de responsabilidade com o termo da investidura do dignitário acusado (ADI 2.797 e ADI 2.860, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 15-9-2005, Plenário, DJ de 19-12-2006).

[14].     STF – Apresentada a denúncia, estando o Prefeito no exercício do cargo, prosseguirá a ação penal, mesmo após o término do mandato, ou deixando o Prefeito, por qualquer motivo, o exercício do cargo. Mandado de segurança indeferido (MS 21.689, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-1993, Plenário, DJ de 7-4-1995).

[15].     Súmula 703 do STF: “A extinção do mandato não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.

[16].     STF (MS 21.689-1, rel. Min. Carlos Velloso, julg. 26/12/1993).

[17].     STF (MS 30.672-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 15-9-2011, Plenário, DJE de 18-10-2011). Vide: MS 23.885, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 28-8-2002, Plenário, DJ de 20-9-2002.

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