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sexta-feira, 21 de agosto de 2015

STF: A AUDIÊNCIA DE APRESENTAÇÃO (DE CUSTÓDIA) É CONSTITUCIONAL E PARTE DA SOLUÇÃO PARA A CRISE PRISIONAL - ADI 5240 e ADPF 347

Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume II- Airton Portela


    O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) por maioria de votos, em 20 de agosto de 2015, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5240) em que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol/Brasil) questionava a realização das chamadas “audiências de custódia” (ou de apresentação), procedimento por meio do qual uma pessoa presa em flagrante deverá ser apresentada ao juiz em até 24 horas. 


Em decisão mais recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente cautelar solicitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 347) e assim determinou aos juízes e tribunais que passem a realizar audiências de custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da prisão.


Na mesma linha, o STF também determinou a liberação, sem qualquer tipo de limitação, o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos.
 
      
A improcedência da ADI nesse caso, como “vias de mão dupla” que são as ações diretas de inconstitucionalidade, afirmou a constitucionalidade das referidas medidas adotadas por cortes de justiça e incentivadas pelo CNJ.    

O que é a audiência de custódia (ou audiência de apresentação) e o que com ela se pretende?


É medida incentivada pelo Conselho Nacional de Justiça e que e que consiste na “apresentação do autuado preso em flagrante delito perante um juiz, permitindo-lhes o contato pessoal, de modo a assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão. Decorre da aplicação dos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil” (definição contida no site do CNJ).
  
A medida ambiciona “a apreciação mais adequada e apropriada da prisão que se impôs, considerando a presença física do autuado em flagrante, a garantia do contraditório e a prévia entrevista pelo juiz da pessoa presa. Permite que o juiz, o membro do ministério público e da defesa técnica conheçam de possíveis casos de tortura e tomem as providências. Previne o ciclo da violência e da criminalidade, quando possibilita ao juiz analisar se está diante da prisão de um criminoso ocasional ou daqueles envolvidos com facções penitenciárias.”
   
Ao cabo da audiência de custódia o juiz poderá adotar uma das seguintes medidas: 

“– O relaxamento de eventual prisão ilegal (art. 310, I, do Código de Processo Penal); 


– A concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III, do Código de Processo Penal); 


– A substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas (arts. 310, II, parte final e 319 do Código de Processo Penal);


– A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 310, II, parte inicial);


– A análise da consideração do cabimento da mediação penal, evitando a judicialização do conflito, corroborando para a instituição de práticas restaurativas;


– Outros encaminhamentos de natureza assistencial.”


     Qual o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da audiência de custódia ou de apresentação?


     O STF fixou entendimento no sentido de que o procedimento que determina a apresentação incontinenti da pessoa presa em flagrante a um juiz, por meio de atos infralegais de tribunais, apenas disciplinou normas já existentes e que materializam direito fundamental do preso (de ser apresentado imediatamente a um juiz para que decida sobre a necessidade de sua prisão, a concessão de liberdade provisória ou a aplicação de medidas cautelares).

     Desse feixe legislativo garantidor de tal direito destacam-se:

    a) a Convenção Americana dos Direitos do Homem, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica (CADH), internalizada no Brasil desde 1992;

        Sobre o referido tratado, convém lembrar que o Supremo Tribunal Federal, realizou revisão de sua jurisprudência, para afirmar que tendo o Brasil aderido, “sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica, reconheceu o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna” e que por isso tornar-se-ia inaplicável a legislação infraconstitucional conflitante com os referidos tratados (são os casos do art. 1.287 do CC de 1916, o Decreto-Lei nº 911/69 e o art. 652 do novo CC, Lei nº 10.406/02 que autorizavam a prisão do depositário infiel).

      b) o Código de Processo Penal (CPP) brasileiro.
     
     Em seu art. 310, o CPP dispõe que, ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:

      b.1) relaxar a prisão ilegal; ou

      b.2) converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; Os requisitos para a prisão preventiva, ou seja, poderá ser decretada nas seguintes hipóteses:

- Como garantia da ordem pública ou da ordem econômica;

   A garantia da ordem pública refere-se à aferição da possibilidade do cometimento de novos crimes.

- Por conveniência da instrução criminal;
  
    Por exemplo, quando o investigado ou acusado estiver destruindo provas ou ameaçando testemunhas que o incriminem.
– para assegurar a aplicação da lei penal;
   
    Situação em que o réu está prestes a fugir do distrito da culpa.

- A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (cuja lista adiante transcrevemos).

 Atenção 1: Em todos os casos anteriores deve prova da existência do crime e indício suficiente de autoria (fumus commissi delicti).


 Atenção 2: A prisão preventiva somente poderá ser decretada nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos. Diante disso, ficam excluídos da incidência dessa possibilidade de prisão cautelar os crimes culposos e as contravenções penais.


  Atenção 3: Fora desses casos, como hipótese autorizadora da preventiva, tem-se o fato do criminoso ser reincidente em crime doloso. Além disso, é cabível a prisão preventiva nos crimes que envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Contudo, em tais casos, deve se fazer presente também algum dos requisitos do art. 312 (garantia da ordem pública, conveniência da instrução ou aplicação da lei penal)


   Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.

     b.3) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

    A liberdade provisória mediante fiança somente poderá ser concedida nos casos puníveis com pena privativa de liberdade máxima não superior a quatro anos.

     O Código, no entanto, enumera situações em que não se poderá conceder fiança, tais como nos crimes de racismo, crimes hediondos e nos crimes de tortura, tráfico de drogas e entorpecentes e terrorismo, entre outras situações (vide artigos 323 e 324 do Código de Processo Penal).

      Como última observação, se o juiz, ao analisar a situação do acusado ou investigado, antes de decretar a prisão preventiva deverá analisar a possibilidade de aplicar uma medida cautelar em seu lugar, assim reservando a prisão cautelar como ultima ratio, ou seja, decretá-la se puder antever que não surtirão efeito ou quando após aplicadas não restem infrutíferas.

      As medidas cautelares enumeradas pelo CPP (que podem ser aplicadas como condição da liberdade provisória de forma não exaustiva) são as seguintes: o comparecimento periódico em juízo, a proibição de acesso ou frequência a determinados locais, a proibição de manter contato com determinada pessoa, a proibição de ausentar-se da comarca, o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, a suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica, a internação provisória, a fiança ou a monitoração eletrônica. De resto, a aplicação das medidas cautelares deve observar requisitos de adequação e proporcionalidade.

 Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal, ex-Analista e ex-Advogado de Militância Privada

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