Texto baseado na obra Manual de Direito Constitucional - Volume II- Airton Portela |
O
Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) por maioria de votos, em 20 de
agosto de 2015, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI
5240) em que a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol/Brasil)
questionava a realização das chamadas “audiências de custódia” (ou de
apresentação), procedimento por meio do qual uma pessoa presa em flagrante deverá
ser apresentada ao juiz em até 24 horas.
Em decisão
mais recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu parcialmente cautelar
solicitada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 347) e
assim determinou aos juízes e tribunais que passem a realizar audiências de
custódia, no prazo máximo de 90 dias, de modo a viabilizar o comparecimento do
preso perante a autoridade judiciária em até 24 horas contadas do momento da
prisão.
Na mesma linha,
o STF também determinou a liberação, sem qualquer tipo de limitação, o saldo
acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização na finalidade para a
qual foi criado, proibindo a realização de novos contingenciamentos.
A improcedência da ADI nesse caso, como “vias
de mão dupla” que são as ações diretas de inconstitucionalidade, afirmou a constitucionalidade das referidas medidas adotadas por cortes
de justiça e incentivadas pelo CNJ.
O que é a audiência de custódia (ou audiência
de apresentação) e o que com ela se pretende?
É medida incentivada pelo Conselho
Nacional de Justiça e que e que consiste na “apresentação do autuado preso em
flagrante delito perante um juiz, permitindo-lhes o contato pessoal, de modo a
assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa submetida à prisão.
Decorre da aplicação dos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil”
(definição contida no site do CNJ).
A medida ambiciona “a apreciação mais
adequada e apropriada da prisão que se impôs, considerando a presença física do
autuado em flagrante, a garantia do contraditório e a prévia entrevista pelo
juiz da pessoa presa. Permite que o juiz, o membro do ministério público e da
defesa técnica conheçam de possíveis casos de tortura e tomem as providências.
Previne o ciclo da violência e da criminalidade, quando possibilita ao juiz
analisar se está diante da prisão de um criminoso ocasional ou daqueles
envolvidos com facções penitenciárias.”
Ao cabo da audiência de custódia o juiz
poderá adotar uma das seguintes medidas:
“–
O relaxamento de eventual prisão ilegal (art. 310, I, do Código de Processo
Penal);
–
A concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 310, III, do
Código de Processo Penal);
–
A substituição da prisão em flagrante por medidas cautelares diversas (arts.
310, II, parte final e 319 do Código de Processo Penal);
–
A conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva (art. 310, II, parte
inicial);
–
A análise da consideração do cabimento da mediação penal, evitando a
judicialização do conflito, corroborando para a instituição de práticas
restaurativas;
–
Outros encaminhamentos de natureza assistencial.”
Qual
o entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal acerca da audiência de
custódia ou de apresentação?
O STF fixou entendimento no sentido de que
o procedimento que determina a apresentação incontinenti da pessoa presa em
flagrante a um juiz, por meio de atos infralegais de tribunais, apenas
disciplinou normas já existentes e que materializam direito fundamental do
preso (de ser apresentado imediatamente a um juiz para que decida sobre a
necessidade de sua prisão, a concessão de liberdade provisória ou a aplicação
de medidas cautelares).
Desse feixe legislativo garantidor de tal
direito destacam-se:
a)
a Convenção Americana dos Direitos do Homem, também chamada de Pacto de San José da Costa Rica (CADH), internalizada no Brasil desde
1992;
Sobre
o referido tratado, convém lembrar que o Supremo Tribunal Federal, realizou
revisão de sua jurisprudência, para afirmar que tendo o Brasil aderido, “sem
qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica,
reconheceu o caráter especial desses
diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no
ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação
interna” e que por isso tornar-se-ia inaplicável a legislação
infraconstitucional conflitante com os referidos tratados (são os casos do art.
1.287 do CC de 1916, o Decreto-Lei nº 911/69 e o art. 652 do novo CC, Lei nº
10.406/02 que autorizavam a prisão do depositário infiel).
b) o Código de Processo Penal
(CPP) brasileiro.
Em seu art. 310, o CPP dispõe que, ao receber o auto de prisão em
flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
b.1) relaxar a prisão ilegal; ou
b.2) converter a prisão em
flagrante em preventiva, quando
presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem
inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; Os
requisitos para a prisão preventiva, ou seja, poderá ser decretada nas
seguintes hipóteses:
- Como garantia da ordem pública ou da ordem
econômica;
A garantia
da ordem pública refere-se à aferição da possibilidade do cometimento de novos
crimes.
- Por conveniência da instrução criminal;
Por exemplo, quando o investigado ou acusado
estiver destruindo provas ou ameaçando testemunhas que o incriminem.
– para assegurar
a aplicação da lei penal;
Situação em que o réu está prestes a fugir do
distrito da culpa.
- A prisão preventiva
também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (cuja lista adiante transcrevemos).
Atenção
1: Em todos os casos anteriores deve prova da existência do crime e indício
suficiente de autoria (fumus commissi
delicti).
Atenção
2: A prisão preventiva somente poderá ser decretada nos crimes dolosos
punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos.
Diante disso, ficam excluídos da incidência dessa possibilidade de prisão
cautelar os crimes culposos e as contravenções penais.
Atenção
3: Fora desses casos, como hipótese autorizadora da preventiva, tem-se o
fato do criminoso ser reincidente em crime doloso. Além disso, é cabível a
prisão preventiva nos crimes que envolver violência doméstica e familiar contra
a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para
garantir a execução das medidas protetivas de urgência. Contudo, em tais casos,
deve se fazer presente também algum dos requisitos do art. 312 (garantia da
ordem pública, conveniência da instrução ou aplicação da lei penal)
Também será admitida a prisão preventiva
quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não
fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado
imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese
recomendar a manutenção da medida.
b.3) conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
A liberdade provisória mediante fiança
somente poderá ser concedida nos casos puníveis com pena privativa de liberdade
máxima não superior a quatro anos.
O Código, no entanto, enumera situações
em que não se poderá conceder fiança, tais como nos crimes de racismo, crimes
hediondos e nos crimes de tortura, tráfico de drogas e entorpecentes e
terrorismo, entre outras situações (vide artigos 323 e 324 do Código de
Processo Penal).
Como última observação, se o juiz, ao
analisar a situação do acusado ou investigado, antes de decretar a prisão
preventiva deverá analisar a possibilidade de aplicar uma medida cautelar em
seu lugar, assim reservando a prisão cautelar como ultima ratio, ou seja, decretá-la se puder antever que não surtirão
efeito ou quando após aplicadas não restem infrutíferas.
As
medidas cautelares enumeradas pelo CPP (que podem ser aplicadas como condição
da liberdade provisória de forma não exaustiva) são as seguintes: o comparecimento
periódico em juízo, a proibição de acesso ou frequência a determinados locais,
a proibição de manter contato com determinada pessoa, a proibição de
ausentar-se da comarca, o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias
de folga, a suspensão do exercício de função pública ou atividade econômica, a
internação provisória, a fiança ou a monitoração eletrônica. De resto, a aplicação das medidas cautelares deve observar requisitos de adequação e
proporcionalidade.
Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal, ex-Analista e ex-Advogado de Militância Privada
Por Airton Portela, Juiz Federal e Professor, ex-Advogado da União, ex-Procurador Federal, ex-Analista e ex-Advogado de Militância Privada
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