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domingo, 28 de setembro de 2014

A redução da maioridade penal


 A redução da maioridade penal é inconstitucional? Uma emenda à Constituição nesse sentido violaria cláusula pétrea?


   Há em tramitação no Congresso Nacional vários projetos de emendas à Constituição que objetivam reduzir a maioridade penal de dezoito para dezesseis anos. Todavia, vozes altissonantes de constitucionalistas como a de José Afonso da Silva[1] afirmam a sua inconstitucionalidade por conceberem a inimputabilidade do menor de dezoito anos como garantia fundamental e que, portanto, está protegida por cláusula de imutabilidade, sedo assim intangível à ação do legislador derivado[2].

   Na mesma linha, até mesmo as comissões de Constituição e Justiça de nossas casas legislativas, nos últimos tempos, têm desvirtuando o seu sentido e propósito, ao expandirem demasiadamente o alcance do conceito da garantia de idade mínima para aplicação de pena, assim obstaculizando, indevidamente, projetos de alteração constitucional que perfilham tal ideia.

   Para nós, no entanto, a redução da maioridade penal para dezesseis anos (por exemplo) de forma alguma violará direito fundamental, porquanto somente a falta de razoabilidade ou de proporcionalidade afetaria à própria condição de dignidade humana e os direitos que a tutelam. Nos mesmos termos, mas com outras palavras: o que não há que se admitir é a supressão completa de idade mínima para apenamento ou que esta seja fixada de forma desarrazoada, sem nenhuma base científica acerca do grau de discernimento de um indivíduo. 

   Aliás, sem sequer se cogitar de violação da dignidade da pessoa humana, países com muito mais elevado desenvolvimento humano que o Brasil tem a maioridade penal fixada abaixo de dezoito anos. Confira-se, pois: Escócia (nove anos), Holanda (doze anos), Nova Zelândia, Espanha e França (treze anos), Áustria, Alemanha e Itália (quatorze anos), Dinamarca, Noruega, Suécia e Finlândia (quinze anos).[3]

   Mesmo que se admita que a maioridade penal, fixada em dezoito anos, é garantia fundamental, não se pode perder de vista que as cláusulas pétreas, ao estabelecerem limites ao poder de reforma, têm por objetivo a preservação da estrutura essencial de princípios e valores que elegem como indispensáveis e não impossibilitar um desenvolvimento constitucional tão legítimo quanto acompanhe a evolução da sociedade, do Estado e de suas respectivas instituições. 
       
   Nesse sentido, a própria jurisprudência do STF inclina-se para aceitar a reforma que vise tão somente o aperfeiçoamento dos direitos protegidos pelas cláusulas de imutabilidade (caso da forma federativa[4] de Estado e separação de Poderes).[5]Nessa linha, o Pretório Excelso, por conduto do voto do Ministro Gilmar Mendes,[6] advertiu que a demasiada amplitude conferida às cláusulas pétreas pode conduzir a um engessamento da ordem constitucional, obstando à introdução de mudança de maior significado. Desse modo, fixou-se que as cláusulas pétreas, e não os direitos por elas protegidos, devem ser interpretadas de forma mais restritiva em um esforço hermenêutico para revelar que princípios estão cobertos pela garantia de imutabilidade.

Por Airton Portela, Professor, Juiz Federal, ex Analista, ex-Advogado da União e ex-Procurador Federal.

    

[1]. STF – SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

[2]. Como visto em outra parte desta obra: o art. 60, § 4º, dispõe que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: a) – a forma federativa de Estado; b) – o voto direto, secreto, universal e periódico; c) – a separação dos Poderes; d) – os direitos e garantias individuais.

[3] A maioridade penal no Brasil e em outros países consultoria legislativa da Câmara dos Deputados, de Autoria de José de Ribamar B. Soares, fevereiro de 2006

[4].      STF (ADI 2.395, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 9-5-2007, Plenário, DJE de 23-5-2008). No mesmo sentido: ADI 2.381-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 20-6-2001, Plenário, DJ de 14-12-2001.

[5].      STF (ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 13-4-2005, Plenário, DJ de 22-9-2006).


[6].      STF (ADPF 33-MC, voto do Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 29-10-2003, Plenário, DJ de 6-8-2004).


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